domingo, 31 de julho de 2011

Catadores


Ao ler o título da crônica você pode ter fantasiado em algum malhado e sarado, que circula pela noite à cata de mulheres disponíveis (ou vice versa, né), mas para sua (in)felicidade não é disso que vou comentar. Os catadores são pessoas invisíveis da nossa sociedade.
Onde moro tenho a visão dos recipientes de lixo reciclável, a foto foi tirada do meu portão, na maior discrição possível e não sabia que minha Kodak (olha o merchand gratuíto) tinha todo este recurso. Tenho a visão, mas não é perto o suficiente. E sou jornalista pô, me esgueiro pelas frestas da notícia (que coisa mais patética...)
A distância não é suficiente para abafar o som, escuto tudo o que dizem, principalmente à noite, como uma concha acústica. São famílias inteiras garipando ( não fotografei por ter crianças, e é por isto que continuo free lancer, tenho lá meus ideais de comportamento, não usaria isto).
A reciclagem aqui em São Bernardo do Campo funciona, do ponto de vista da coleta. Não dos cidadãos, mas isto é outro assunto. A pessoa da foto juntou três sacos do que "colheu" e carregou nas costas não sei para onde. Está caro morar em favela, a especulação já chegou lá e, com o quê comandar a comunidade, tem que pagar um valor acima do que ganham. Quem garimpa lixo não mora, passa a noite.
Nas caminhadas que faço em dia que passa o lixeiro, o convencional que deveria ser apenas orgânico, é um comboio de fuscas, chevettes, marajós e fiat 147 (e eu não recebo nem um centavo por citar as marcas, não é justo) disputando a mercadoria. Eles abrem com maestria os sacos (ainda teimam em usar plásticos), olham e tornam a fechar, não espalham sujeira na calçada do morador, é bom ressaltar isto, e pescam o que interessam. Os "carros", que já chegam arqueados pela idade, uso e maus tratos, "refugam", engasgam e sofregamente carregam a carga extra.
Já presenciei mais de 10 (dez) pessoas, durante a madrugada, revirando os recipientes do lixo reciclável, e acho que era uma família inteira, pois havia divisão de tarefas. Fui observador até que resolvi ser gente, estou vendo aquelas pessoas, ignorar ou reclamar não muda a situação delas.
Cumprimentei o homem da marajó (depois da pororoca) e ele assustou-se, demonstrou medo, além de estar muito irritado com o "automóvel". Ele vem com a mulher e a filha. A blusa de lã da filha, com o emblema de escola municipal, caiu do carro. Peguei e levei, andando pois o carro se arrasta mesmo, e a mãe não conseguiu me olhar nos olhos, disse obrigado olhando para o chão. A criança não, ficou me olhando com olhos de peralta, agradecendo na liguagem das crianças que ainda não mataram a inocência e a gratidão, que eu a tinha salvado de algum pito. Estranho foi ver a expressão de espanto de uma catador, quando pedi licença a ele para colocar uns plásticos no "container" que ele garimpava. Percebi que não está acostumado com isto.
A família de dez pessoas vem no chevette, vem é maneira de dizer, uns quatro vem dentro, os outros empurrando. Não sei como este carro, sedan, conseguiu continuar existindo. Parece um origami de durepox (mais uns troquinhos que eu poderia receber) e sua lataria uma exposição de sinos de ventos. A curiosidade ainda não venceu a timidez de sair de casa e ir conversar com aquelas pessoas, mas primeiro preciso conquistar o casal com a filha, que vem de dia (mostra a cara, mesmo que rabugenta) e é cuidadosa na coleta.
Mas sabe quem bagunça o local do lixo reciclável? Não são os catadores, que até diminuem o que é jogado lá, mas os condutores e passageiros de carros de luxo, provavelmente do condomínio de luxo que existe em frente. Descarregam o resultado do seu consumo, sem dia certo, mesmo com a lixeira entupida, e de maneira errada. Não estou julgando dialeticamente a sociedade, eu vejo isto acontecer, e se ainda não intervi, é porque preciso escrever antes disso. Prefiro conquistar os catadores primeiro.

Edman
31/07/2011

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