quarta-feira, 4 de junho de 2014

A copa e a área de serviço

Foi o futebol que colocou o Brasil no atlas. Até então éramos uma imensa floresta tropical cuja capital era Buenos Aires. Corria-se o risco de levar uma flechada pelas trilhas da Av. Paulista e, a garota de Ipanema era o sonho idílico de Peri, numa toada sem tambores e atabaques, mas no canto de guerra da Bossa Nossa, o samba civilizado pelo jazz.
Foram-se os tempos românticos do esporte, que roubou as gingas da capoeira e a determinação de liberdade de um povo, forjado nas altas temperaturas da exploração e derrama, tirando o pouco que tem sem devolver o mínimo à sobrevivência digna. O futebol sempre foi uma destas válvulas, deixando escapar a pressão de maneira controlada, cozinhando a existência numa sopa de indiferenças.
A copa não é a razão de todos os nossos problemas, nem vai resolvê-los quando ocorrer a batalha final dos gladiadores modernos na Arena Maracanã, porque a morte psicológica de uma derrota é tão sangrenta quanto as que ocorriam no império romano. Nada mais apropriado hoje chamar de arenas os estádios, já que era assim que se mantinham no poder os que dele apenas se beneficiavam... Não me refiro ao poder das siglas, mas daquele escamoteado pelos corredores, pelos porões da corrupção, que rouba desde as quentinhas dos presídios, às merendas, às salas de educação e saúde, às moradias, que sangra a nossa riqueza há 500 anos. Sempre os mesmos anônimos.
O futebol nos colocou no mapa, e é ele quem vai nos desnudar. Que nem tudo aqui é festa, carnaval, beleza natural e um povo pacífico, alheio, de terceiro mundo. Tudo estará em tempo real, mesmo que as transmissões oficiais relatem, e é isto que irão fazer, o que chamam de espetáculo, sempre haverá uma imagem pelos milhões de celulares, ávidos por registrar e divulgar seus chips de realidade.
Fizemos uns "puxadinhos" (Doze templos cuja única razão é distrair), amontoamos nossas tralhas num quarto vazio, deixamos nossa sala para os visitantes, e vamos assistir a Copa de nossas áreas de serviço - entupidas de coisas por fazer - onde nem sempre as ondas de transmissão sintonizam, onde o rádio chia, as televisões chuviscam, mas tudo se esquece, como num porre, ao gritar Gol.