sexta-feira, 26 de novembro de 2004

SAUDADE

       Para falarmos sobre algo tão profundo e, ao mesmo tempo, tão corriqueiro como SAUDADE, podemos responder com uma pergunta (a mesma que de vez em quando fazemos ou escutamos das pessoas que nos telefonam): o que você acha?
      SAUDADE a gente sente. Sentir é sentir sem necessidade de explicações, nem de dizer onde dói, porque ela dói e dói no coração, na alma e às vezes até no físico, em todo o corpo. Ela é sentida, não explicada. É como o vento que vem e vai, ou como o ar que respiramos e permanece conosco até partirmos.
      SAUDADE da infância sem preocupações com o amanhã, da adolescência inconseqüente, da meia idade, dos nossos familiares ou amigos que se vão para lugares distantes ou que se foram para sempre.
      SAUDADE é saudade. O que você pensa sobre isso?

Edman Izipetto
26/11/2004

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Que falta faz... será?

Há no ar uma certa bruxaria. Tanto as escolas de inglês fizeram que o dia das bruxas entrou no calendário nacional, ou melhor, na planilha comercial das lojinhas que vendem estas traquinagens contra o nosso folclore.
A semana ajudou muito: eclipse total da lua, mal súbito em jogador de futebol em pleno jogo, chuva com trovoadas pela manhã e céu limpo ao entardecer, frio de 13° à noite e calor de 26º no meio da tarde e até um deputado incorporou um espírito em plena sessão do legislativo sincrético baiano. Mistérios e um clima de vassoura a varrer os santinhos das campanhas políticas do segundo turno.
Voltando às lojinhas. Antes era um porto seguro para aquela lembrancinha maneira, quando se estava sem muito capital e a necessidade te impelia para presentear alguém. Em que pese a dificuldade em tolerar aquela mistura de incenso, vela e sabonete, sempre sobrava um cristal que servia aos propósitos de impressionar e o mais importante, os lugares estavam sempre vazios.
Com a moda os preços viraram uma grande mandinga. Do alfinete que fura os “olhos do mau olhado”, passando pelo pêndulo que não te deixa caminhar em círculos até às vassouras “Adventure” com seguro e IPVA pagos, tudo virou grife, vip e parcelado em três vezes no cartão.
Até as pedras, Drumond, precisam ser garimpadas, pois qualquer vidrinho transparente ou colorido tem cotação de diamante.

Edman Izipetto
29/10/2004


sexta-feira, 28 de maio de 2004

Até que enfim é sexta-feira!

Quantos já repetiram, repetem ou irão repetir esta frase, mesmo que em pensamento. Será que é um sinal de que as coisas, durante a semana, não foram bem ou que o que está por vir é melhor? Mas o fato é que o clima das sextas é diferente, mais alegre, cheio de esperanças e planos, expectativas e promessas, ares de grandes programas.
O sábado começa mais cedo para alguns, esquecendo o cansaço, o chefe, o estudo, ou seja lá o que for de compromisso sério, para esticar a noite de sexta num boteco, com os colegas do trabalho e lá, pelas tantas canecas, resolver tudo que a semana não deixou que se resolvesse. No dia seguinte é muita água de coco para espantar a ressaca e um exercício tremendo de memória, pois você pode ter falado demais.
Para outros o simples fato de não acordar com o despertador já é um grande negócio. Dormir até mais tarde nestes dias frios não deixa de ser um programa, mas sempre fica a sensação, depois de finalmente levantar o esqueleto da cama, que o fim de semana já começou mais curto. O sábado já era e a preguiça, resultado de dormir sem ter sono, arrasta o resto do dia numa vontade de voltar para cama. Das coisas que você planejou fazer dê por satisfeito se conseguir fazer um terço.
- Mas no domingo eu acordo mais cedo e termino, repetimos a nós mesmos, como que buscando uma compensação, tentando se redimir da culpa de ter esticado o dia livre preso a sonhos interrompidos e ao virar de um lado a outro do colchão.
No domingo sempre tem um almoço na casa de alguém e este alguém sempre insiste em ligar a TV junto com a comida, combinação explosiva se o menu for brachola e o programa televisivo aquelas coisas de contar que gente famosa é legal, é humana e lutou muuuuito para chegar lá (no programa de domingo à tarde). Não tem antiácido que dê jeito.
Outra combinação angustiante é aquele prato que você odeia com a transmissão do time que você detesta, mas que todos na casa, com exceção do cachorro, torcem. Ainda lhe servem um vinho de garrafão com a garantia da dona da casa de que é “fraquinho e docinho”. Você jura de pés juntos que nunca mais vai fazer isto...
Ainda resta uma esperança. Domingo à noite. Ou você tem um filme locado, ou vai ao cinema, ou vai ao shopping, mas não fique em casa em frente à TV que é suicídio mental. Você só tem como alternativa filmes violentos ou a violenta discussão dos programas esportivos.Você vai acabar torcendo para que a segunda-feira chegue logo ou pior, vai pintar aquele sentimento de perda de tempo, que você não fez nada no seu tempo livre, que amanhã nada vai mudar e existe uma grande chance de perder a hora.
Ainda bem que é segunda-feira! Mas o fato é que o clima das segundas é diferente, mais responsável, cheio de promessas, projetos e expectativas, ares de que a próxima sexta-feira está longe e que é um bom dia para começar uma dieta.

Edman
28/05/2004

quinta-feira, 22 de abril de 2004

Trabalho voluntário e responsabilidade solidária

Todos que estão lendo estas palavras não estão aqui por acaso. Decidiram estar. Cada um com a sua história, sua vida e a simples decisão de dedicar parte de seu tempo a ouvir a história dos outros. A vida moderna nos tirou esta capacidade, de parar e ouvir o que outra pessoa tem a dizer. Nossas falas sempre são mais importantes, isto não é defeito ou qualidade, é natureza, instinto de sobrevivência.
Quando atendemos alguém somos, naquele momento, a pessoa mais importante para o interlocutor. Temos a capacidade de encarnar o pai ausente, acalmar a mãe dominadora, pacificar o irmão genioso, compreender o filho rebelde, revelar o amigo desconhecido, reaproximar o cônjuge genioso. Somos seu confidente, seu cúmplice, seu amigo. Somos todos ouvidos.
Este exercício, o de poder falar o que está sentindo sem censura, sem conselhos ou frases feitas, permite à pessoa ir se descobrindo, ir liberando suas angústias e amarguras e a partir desta verdadeira faxina, traçar seus próprios caminhos e comportamentos. Este é o espírito do nosso trabalho.
Mas também somos humanos, com todos os limites que esta condição nos impõe. Precisamos dividir para não esgotarmos nossa própria capacidade de ajudar. Nossas vidas cotidianas devem continuar seguindo seu curso, nosso aprendizado da vida, nossas relações de amizade, de família e nossos compromissos profissionais e sociais não podem, e não devem, ser interrompido, pois aqui não é, para nós, compensação, mas uma decisão de qualidade de vida. Nossa melhor maneira de divulgar o trabalho é o de também melhorarmos com os nossos entes queridos.
Como membros de um grupo, há pessoas diferentes e as habilidades e individualidades também o são. Nossa reunião é para colocar isto. Conhecendo-nos, poderemos respeitar os limites de cada um e potencializar o melhor que cada um pode dar de si para este importante trabalho. Dividir para somar, pois no mundo há mais pessoas precisando de um ouvido amigo do que dispostas a ouvir. Nós optamos pela minoria, mas ela é forte quando é unida.

Edman Izipetto
22/04/2004

quarta-feira, 31 de março de 2004

Quarentena

         Todas as guerras são estúpidas. Todas as revoluções que levam às guerras são irresponsáveis.
         Há quarenta anos alguns covardes, aproveitando-se do uniforme, das armas, do financiamento externo e da hipocrisia da classe média, decidiram que era hora da travessia no deserto. Decidiram pela quaresma da liberdade de manifestação, pelo jejum do conhecimento, pela disciplina de regras talhadas em pedra-sabão. Eram falsos profetas, no entanto. Não pretendiam transformar tribos desunidas em uma nação, mas enriquecer seu próprio clã.
         Em nome de uma pátria vingadora, qualquer atitude que, no julgamento deles, representasse o exercício humano do pensamento, era digno de repressão, punição e sumiço. Uma geração inteira foi ceifada apenas por discordar. Primeiro a violência física, a mais rápida nos resultados, mas a que deixa mais registros, a que incita resistências e, portanto a mais lembrada. Quantas cabeças brilhantes, quantos gênios, não teriam tornado este país melhor se não fossem simplesmente eliminadas ou destituídas de sua condição humana? Hoje os sobreviventes contam suas histórias, alguns até viram presidentes e usam a idade média tupiniquim como parte de um currículo brilhante. Não aprenderam nada. Mas a maioria não sobreviveu ao cárcere, às torturas ou ao desaparecimento de alguém querido. A estes nada irá devolver o atraso de vida.
         Mas o que de mais sério estes senhores dos quartéis fizeram com o país, atingindo a origem da própria formação da civilização, foi atrasar o conhecimento. Informação, cultura e experiência são ingredientes importantes isoladamente. Quando eles se harmonizam em conhecimento são poderosos. Este era o clima de 1964, esta era a geração de 64. O país estava amadurecendo como nação a partir das carteiras escolares, que é a maneira mais pacífica de revolucionar. Ideologicamente ou não, era um momento para o grande salto. Quebrar as oligarquias - o ranço de colonialismo que teima em fazer o país não caminhar - seria uma conseqüência natural apenas pela sucessão de eleições, pela democratização do conhecimento. Os doutores da tristeza represaram isto por 21 anos.
         Estamos pagando muito caro pela maioridade da idade média tupiniquim. E em dólares.

                                                                                                                 Edman Izipetto
                                                                                                                 31/03/2004

terça-feira, 6 de janeiro de 2004

Sem pressa

           A noite ainda não escureceu completamente e a fila de faróis e lanternas é grande no caminho de volta para casa. Embora o período seja de férias para a maioria das pessoas, meu caminho é exatamente o das praias paulistas, e terei que conviver com “estrangeiros” que rumam para um período de torcida, torcida para que tenha sol. Carros abarrotados de famílias, e uma parte da casa delas, dividem com veículos pesados a intransitável Avenida dos Bandeirantes. Quem, como eu, está simplesmente voltando para casa, não esconde a pontinha de inveja de seguir direto e “vestir um calção de banho e tirar o dia para vadiar”.
Sem pressa de querer chegar, pois não acredito que a vida seja curta, resolvo parar num estacionamento de supermercado, ouvindo boa MPB e fumando um cachimbo. Não era intenção observar nada, era apenas para curtir a falta de pressa, já que o céu carrancudo escondia os astros e o vento forte anunciava que outra frente fria, neste verão paulistano, iria convidar para uma boa noite de sono.
Mas próximo dali uma senhora discute com alguém, tentando acomodar uma bicicleta recém adquirida num minúsculo Ford KA. Os sons da discórdia não chegam aos meus ouvidos, mas seus gestos enérgicos demonstram contrariedade, talvez arrependida pela impulsão da compra, quem sabe uma oferta tentadora ou a promessa do vendedor que a “magrela” caberia no carro. Lembrei da minha primeira bicicleta, presente dos anos 70 como prêmio pelo meu desempenho na escola. Era dobrável, verde e a batizei de Rosinha, não como lembrança de alguma garota – tinha dez anos e ainda não despertara para os mistérios do amor – mas em alusão a um livro, “Rosinha, minha canoa”, que povoara minha imaginação de criança. Enfim conseguiram colocá-la no espaçoso automóvel e a senhora pode ir embora, ainda que de cara amarrada.
Em frente estaciona um Xsara Picasso prata, todo torto na vaga, e um casal se despede. Bem vestida com um lenço, que parecia de seda, contornando o seu pescoço e caindo solto sobre a camisa de executiva, desce a mulher. É com alegria que deixa o carro e se dirige para um Gol estacionado próximo. O motorista do Xsara sai devagarzinho, acena e segue. A mulher também, cortando o estacionamento por entre as vagas. O que pode ter acontecido antes daquela despedida é pura especulação. Apenas uma gentileza, casualidade ou uma tarde de amor? Mas eu não queria observar nada...
Seguranças começam a cruzar com insistência onde estou. Estaria em atitude suspeita, à espreita? Solto longas e densas baforadas do meu Captain Black e o som alto do carro vibra. Começo a divagar sobre alguns porquês da minha existência, nada que vá resolver o enigma da vida, as escolhas que não fiz ou as oportunidades que deixei escapar, mas pensar a respeito é um sinal de sanidade e ajuda a não prestar atenção em nada. Faz bem para a pele.
Uma viatura da ronda escolar passa ao largo e imagino uma cena hilária, com os policiais solicitando-me, com a finesse que lhes é peculiar, para eu sair do carro e ser revistado. Perguntando sobre o conteúdo do cachimbo, sobre o motivo de estar parado, sozinho, em um estacionamento de supermercado, sem compras, ouvindo música alta e sem disfarçar um sorriso de satisfação por mais um dia cumprido. Talvez fosse uma afronta ficar parado, mesmo que por alguns instantes, numa cidade como São Paulo. Sorrio ainda mais da minha fantasia.
O fogo do cachimbo se apaga e a música não é das minhas preferidas. Hora de partir. A garoa vem confirmar que a fria frente chegou. A solidão, que insiste em me pedir carona nos últimos tempos, ameaça sentar-se ao meu lado no carro. Abaixo o volume do rádio e espanto a tristeza, imaginando um dedilhar de violão: “Ando devagar, porque já tive pressa e levo este sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe...”.

Edman
06/01/2004