sábado, 31 de dezembro de 2011

Caminhando para 2012

            Às portas do último ano da humanidade – vou provar que os Maias estão certos – é curioso observar como as pessoas ficam mais afáveis nesta época do ano, desde que não sejam aquelas chatas que resolvem fazer despesa do mês hoje, ou pagar conta na fila da casa lotérica, onde a maioria sonha com a Mega da virada, virada de plano, de calendário, de taça...
            Primeiro a caminhada pelo sobe e desce do meu bairro, com poucos carros pelas ruas, mas muita gente no portão lavando a sujeira de um ano inteiro para começar o novo zerado. Vizinhos que não se cumprimentam o ano todo trocam notícias, receitas ou disputam vantagens. Crianças entram no jogo ao comparar seus brinquedos, que o Noel que não tem preço (mas para todas as outras coisas sim) lhes deixou sob a árvore de plástico com pisca led.
            Eu sou do tempo de cumprimentar as pessoas, pedir por favor, e outras atitudes dinossáuricas, que o meteoro da tecnologia e modernidade está extinguindo. Falando o português claro, esta geração é bem da mal educada. Mas eu não dei conta de retribuir tantos sorrisos e felicitações das pessoas que conheço de vista, e das que nunca vi mais gordas. E olha que meu bairro é peso pesado.
            E por falar em balança, o delicioso aroma de assados torna a caminhada em prol da saúde um passeio pelas delícias da gula, inundando minha boca de água, em que pese, sem trocadilho, a garoa que chora pelos lados da Serra do Mar. Cheiros de temperos, carnes e perfumes de flores comestíveis, que se misturam neste ritual de passagem. Dá para fazer um seriado de Babet’s party.
            São Silvestre já está no alongamento, mas sabemos todos que os quenianos devem ganhar mais uma. Fugir de gueopardos lhes dá o condicionamento necessário para tanto. Nossa onça não é lá muita adepta de corridas, preferindo a tocaia e o bote certeiro. Não sei por que deram ao leão a representação do imposto de renda, nosso felino seria muito mais apropriado.
            E 2012 vai ter muitos feriados prolongados. Um político do Olimpo de Brasília está com a idéia fixa de transferir, numa canetada, estas datas que caem no meio da semana, para segunda-feira, e assim evitar a emenda “meia nove”. Porque o País não pode parar... Para ilustríssimo, trabalho é apertar parafuso ou digitar números, esquecendo que a única coisa que para nestes feriadões é o trânsito das estradas.
            As cidades turísticas e a indústria do entretenimento, nos delírios cerebrais do preocupadíssimo representante do povo, não entram na estatística do PIB, e os trabalhadores só devem descansar ou passear nas suas férias anuais. Lembremos que a semana deles, políticos, é de terça a quinta, com dois recessos por ano, fora as fugidas para Carnaval, festas juninas e eleições, sem nenhum prejuízo das gordas remunerações a que se deram ao direito.
            O ano que chega é bissexto, teremos um dia a mais para comemorar o gnocchi da sorte, 29 de fevereiro, e no primeiro dia entra a Lua crescente. Os moradores de Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, por conta do horário de verão, vão ter duas festas de réveillon separadas apenas pelo Rio São Francisco. E por que o mundo acaba em 2012?
            Os brasileiros são os que mais gastam nos EUA, em New York já tem até informações turísticas em português. Os pop stars não estão mais esperando a aposentadoria para se apresentar por aqui. O time da marginal sem número, em vias de assentamento para a última estação do metrô, disputará a terceira Libertadores seguida, recorde em 100 anos. O FMI pediu grana emprestada para nós. A China vai liberar visitações na cidade proibida. O El Niño já está chegando à adolescência. As psicografias já podem ser feitas por Ipods (deve ser coisa do Jobs, ele não descansa).

Edman Izipetto
Um ótimo 2012 para todos, espero estar junto até o fim dos tempos.
31/12/2011

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Entre as festas

            É como a quarentena no deserto do ócio. Os sete dias que separam o Natal do Réveillon são um suplício para quem está trabalhando, para quem não está, e para quem precisa que os outros trabalhem.
            Você que ganhou o prêmio de funcionário do mês, não podia dizer não ao chefe. Realmente é um reconhecimento e tanto vir sozinho nesta semana morna, mas você está com a honra de ficar com a chave, abrir o escritório, sempre pode haver uma correspondência importante. E não tem trânsito mesmo, mas o que importa isto se para você o ônibus não vem vazio e demora mais para passar, pois os donos da empresa também acham que ninguém trabalha nesta semana. E vai comer resto do Natal porque os restaurantes entraram em férias coletivas.
            E você, que pensou que ia botar bermuda e chinelo de dedo, tua parceira já fechou toda a sua agenda. Primeiro os consertos: torneiras pingando, chuveiro espirrando, chave elétrica caindo, telhas trincadas, se bobear vai querer pintar a casa toda... E você, dentro da ressaca normal desta semana, com toda aquela vontade de quem não acordou ainda, vai procurar a caixa de ferramentas para evitar curto circuito em casa. E num misto de alegria contida em euforia, descobre que teu cunhado levou tuas melhores ferramentas e os acessórios para pequenos consertos.
            É a deixa para sair de casa, quebrar a rotina que você não projetou e, quem sabe, encontrar um conhecido para uma conversa de tremoços e cerveja. Mas a clarividência feminina é infalível. Ela vem com uma lista pronta de supermercado, já que você vai sair, já que vai tirar o cartão do bolso, já que... Você faz qualquer coisa para conseguir um álibi. Na tua cabeça, compra o mínimo no comércio local e tira o resto do dia para vadiar.
            O comércio local está aproveitando a semana para reformar. Acreditando que é só no seu bairro, vai ao próximo e é a mesma coisa. Agora você entende um pouco o que quer dizer crescimento econômico. A contra gosto, segue para um centro de compras mais complexo e já começa a sentir o drama na entrada, com fila para estacionar – quero minha semana de folga – e os apressadinhos querendo lhe furar a vez. O Natal já não passou?
            Acha que era só para trocar presentes? Parece que todos resolveram praticar bricolagem. Precisou disputar o último rolo de veda rosca, a fita isolante teve que ser Pink e as ferramentas, bendito cunhado, só havia os conjuntos completos, caríssimos e fora de questão por hora. A meia dúzia de telhas vai ter que esperar, muito embora o vendedor tenha lhe tentado empurrar outro modelo garantindo que dava certo.
            Seu primeiro dia de folga já está anoitecendo, você não almoçou e ainda tem que encarar o supermercado. Os caixas estão com filas intermináveis, com famílias inteiras se abastecendo para seguir viagem. A praça de alimentação parece um acampamento de desabrigados, com restos de embalagens e marcas de mostarda e catchup entre os banquinhos.
Vai no balcão mesmo, entre tapas e resmungos consegue pedir um chope e um pastel “frito na hora” que a atendente retira da vitrine aquecida. Massa emborrachada (daria um ótimo veda rosca) e a bebida, morna, choca e quase transparente. Será que se eu pedir um café ele virá gelado? Que o Réveillon chegue logo para tudo voltar ao normal, eu pegando trânsito para apenas ir trabalhar.

Edman Izipetto
29/12/11

sábado, 24 de dezembro de 2011

O último Natal da humanidade...

... do ano de 2011 começa hoje.

Tem muita gente que gosta, algumas se entristecem e poucas, muito
poucas, detestam. Assim como não se explica a euforia, o oposto também
não tem razão. A única verdade do Natal é que era uma festa pagã
ligada ao sostício de inverno, quando as noites são mais longas no
hemisfério norte, daí a tradição de se enfeitar de luzes, comer
exageradamente e botar o pé no barril (lá não tem jaca, a jaca é
nossa).
A igreja tentou combater o "paganismo" e se apropriou da data,
inventando o nascimento de Jesus próximo ao sostício; é o pegaram para
Cristo porque não há registros que garantam que ele tenha nascido
neste ou em qualquer outro dia. Tanto que a crucificação não tem dia
certo, é uma sexta-feira...Mas a idéia da Igreja não deu muito certo
e, quando houve a reforma protestante, a idéia de Natal foi abolida.
Hoje temos uma festa pagã com princípios cristãos, porque nesta época
é que ocorrem grandes manifestações de amor ao próximo e distribuição
de presentes. Aliás, o Noel é uma invenção de dois novaiorquinos, lá
pelos tempos da revolução industrial. Os protestantes da nova
Inglaterra, sabendo da origem das festas Natalinas, tentaram proibi-la
da colônia. Não sei os nomes, mas um inventou a história de St Klaus,
com a distribuição de presentes (um papa de nome Nicolau tinha o
costume de presentear), principalmente porque criança antes não era
vista como tal, e sim como mão de obra barata, e outro, ilustrador,
desenhou o Noel como o vemos hoje, e foi o mesmo ilustrador que criou
a figura do Tio San e os bichos dos dois partidos políticos de lá.
Hoje Noel é mais lembrado que a pseudo data natalina, mas ainda bem
que os princípios pagãos persistiram, porque ia ser muito chato jejuar
num dia como este.
E para nós, aqui no hemisfério sul dos trópicos, é verão, os dias são
mais longos que as noites, no máximo cai granizo e nossa lenda mais
apropriada seria um saci, apenas de sunga, escondendo presentes aqui e
acolá. E temos jaca para poder por o pé, já que, segundo os Maias,
este é o último Natal da humanidade.

Ho, Ho, Ho, Feliz Natal, e sigo na minha canoa puxada por oito botos cor-de-rosa

domingo, 11 de dezembro de 2011

Prós e contras de ir à Gonçalves

Lugares “novos” sempre atiçam, e quando estão na moda então...parece que você não tomou banho se desconhecer o lugar, e aparece tatuado na testa que “não estive lá”. Mas estamos em outros tempos, politicamente corretos ou não, você não pode simplesmente ir a um lugar, tem que participar.

Caso você seja um predador da natureza, isto mesmo, predador, não vá à Gonçalves, Minas Gerais, Sul. Lá é uma das últimas reminiscências das florestas de araucárias do mundo, se você não souber o que a última frase quis dizer, estude uns 6 anos antes de ir...

Mas não é só isso. Lá também tem resquícios de mata atlântica de altitude. PQP, o que é isto? Não é mato que tenha atitude É a Mata Atlântica que, inicialmente os portugueses, e depois os brasilianos, dizimaram, mas que é a responsável de quase toda a água que brota em solo brasileiro. Acreditem, a água é o petróleo de amanhã...

Voltemos ao turista pret a port. Você recicla seu lixo? Você usa seu carro racionalmente? Sabe o que é usar o carro racionalmente? Você escuta o seu som de maneira que ninguém saiba teu péssimo gosto? Você deixa rastros de plásticos por onde anda? Você carrega suas neuras na bagagem da sua SUV? Vá para a PQP, mas não para Gonçalves...

Porque lá ainda existem olhos d’água. E águas não brotam de calçamentos ou pastos, brotam de florestas. Daquelas bem antigas, de meio metro de folhas secas se decompondo no seu tempo de existir. Nem antes, nem depois.

Deixe suas grifes na cidade, dispa-se de seus preconceitos. Gonçalves acolhe as diferenças, de altitude, de atitude, de desafenças. Não há espaço para radicalismos em Gonçalves, porque a natureza engole naturalmente o que é demais em suas névoas eternas e intangíveis, silenciosamente.

Por favor, não leve seu som, seja ele 78 rpm ou MP3. Harmonize-se com o pio do gavião, a fanfarra dos periquitos ou a algazarra das siriemas. Se quiser ouvir barulho, continue onde está, não se desperdice subindo a serra porque os melhores lugares de ouvir o que você consegue estão ai, onde você está. Aqui o silêncio é uma ópera...

E se você é daqueles que come qualquer coisa, continue onde está. Não saberá apreciar os Sabores da Mantiqueira, não entenderá a proposta da Kitanda, não pensará o que é degustar os pratos do Chiquinho, do Toninho ou da Vilma, ou o risoto de pinhão do Demeter na Roça. Ou a prosa etílica no Bar do Marcelo. Tem mais coisa, lógico que tem, você achou que eu ia entregar o tabuleiro de mão beijada? Tem a feira dos Orgânicos da Mantiqueira, aos sábados, a partir das 8h.

Se você quer consumir, vá para outro lugar, se quiser evoluir, vá para Gonçalves.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Carroceiros

A negra de cabelos desgrenhados, devidamente contidos por um lenço vinho com flores coloridas, vai rebocando sua carroça de eixo único, lotada de quinquilharias, papelão e peças garimpadas aqui e acolá, no que pode ser sua casa cor. Um cachorro pequeno, branco encardido, amarrado com fio elétrico - no que a senhora teve o cuidado de deixar o plug balançando na pseudo coleira como um enfeite - caminha ao lado, atento a todo o movimento. No meio fio, ignora a buzina dos automóveis, que na rua estreita espremem-se para fugir ao intruso meio de transporte.
Na calçada invadida de mesinhas, grupos se reúnem à mesa do bar, contando histórias da PanAm e da primeira Coca-Cola que tomaram, no jogo que não decidiu nada para suas vidas, nas fofocas sobre a chefia e o próprio trabalho, que é sempre impecável, e na falta de grana para todas as outras coisas que não seja a cerveja de uma sexta-feira à noite. A vida é um moinho, que processa o malte, o levedo e o lúpulo, fermentando idéias e ideais de uma vida perfeita.
A senhora da carroça, vestida de um surrado vestido amarelo canário que lhe cobre até as coxas, estas cobertas com um jeans repleto de manchas escuras, caminha descalça entre a calçada e a rua frenética de faróis e piscas, não se importando com os sinais de baixo calão dos motociclistas, que são obrigados a diminuir e desviar sua corrida. O cachorro não late, apenas alterna o movimento do rabo como se estivesse de prontidão, apto a defender sua protetora.
Cansada, ela pára em frente a um dos barzinhos. Um grupo de afrouxados engravatados, cujas camisas têm suas mangas arriadas, começa a zombar da mulher, com a coragem etílica própria dos imbecís. Outro grupo do mesmo espaço pede que parem com a troça, no que o restante do bar concorda, em coro, e como uma injeção de glicose, os idiotas vestidos anti-socialmente são obrigados a recolher e engolir, aos goles, o palavreado totalmente covarde e demodé.
Os que haviam defendido a carroceira inicialmente pegam a porção de fritas, recém entregue à mesa, e a oferecem à mulher que não recusa. Come uma a uma, numa elegância sem miséria, sempre dividindo com o cão que, feliz, fica de pé sem latir. Um mulato esquálido e altivo, carregando uma jaqueta cheia de buracos, se aproxima. Retira da vestimenta um botão murcho de rosa vermelha e o entrega à mulher. Ela sorri, um sorriso alvo de quem aceitou o mimo e divide as batatas com o galanteador. Os freqüentadores do bar aplaudem, até os ignorantes que já pediram a conta, talvez tomados de vergonhosa ressaca.
O casal segue, ele toma os estribos da carroça, ela fica ao seu lado, e sob uma Lua crescente que sorri amarela, vão se tornar invisíveis aos olhares e luzes da cidade grande...

Edman Izipetto
30/09/2011

Esta é uma obra de ficção, que sinceramente gostaria que não houvesse qualquer semelhança ou coincidência com pessoas ou a vida real.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Tá chovendo satélite

Um satélite em desuso desde 1985 - estamos cercados de lixo cósmico - está caindo, do tamanho de um micro ônibus, esta noite. Quem o lançou só tem uma certeza: não vai ser na América do Norte. Maravilha, realmente somos o quintal. A chance de acertar uma pessoa é de "apenas" uma em 3.200! Eu estaria preocupado porque esta estatística não existe em nenhuma loteria. Mas se este coletivo transgênico vir abaixo no Brasil o que pode acontecer?
Caso ele der a falta de sorte de se esparramar em Sampa, vai levar multa de um marronzinho, que se estiver muito perto vai ficar chamuscadinho. Se a placa da NASA terminar em 9 ou 0, multa por desrespeitar o rodízio. Se estrebuchar dentro da área limítrofe dos coletivos particulares, multa. Ele pode aterrizar nas marginais, vai demorar para ser guinchado. Se cair na Rodovia dos Imigrantes será depenado e a CIA não vai achar um só parafuso. E se for no Rodoanel Sul ninguém vai saber, o satélite que está funcionando não vai localizar. Mas o último imperador já proibiu a queda de satélites na capital paulista...
Ele pode desmilinguir nos pampas e aí vai ser um belo Fogo de Chão. Se baixarrr na cidade maravilhosa será sequesstrado. E em Salvador, vixe, vai levá uma  s e m a n a  prá despencá, a tempo de Ivete ou Leite programá um rala coxa cheio di axé. Pode ser que ele chegue em alguma estação das Minas, ô treim bão piquinininho, cheio de ardentura para dourar a pururuca. No Ceará vai ser um aviso de Padim Cícero, e uma romaria vai rezar em torno daqueles ferros em brasa.
Mas ele pode aportar em Parintins onde é garantido que, caprichosamente, as águas do Tapajós irão apagar qualquer incêndio. E se for em Belém vai ter que ver o peso para valer alguma coisa. Ele pode abrir uma cratera em Foz do Iguaçu ou misturar as cores do Negro e Solimões. Em Brasília, não, hoje é sexta-feira, não acertaria quem deveria ser acertado.
Ele pode fulminar a capital do Brasil, pode estar até programado para isto, aí não precisa ficar preocupado, quem mora em Buenos Aires é que deve por os alfajores de molho (não esqueça que o trambolho é americano e a maioria falta nas aulas de geografia).

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Classe Medieval

O cenário econômico está preocupante, principalmente porque os especuladores sabem aproveitar muito bem este momento. Cabe a nós, mortais, cuidar muito bem do nosso rico e suado dinheirinho. Não, não vou ensinar ninguém a transmutar chumbo em ouro, pois se soubesse estaria escrevendo este blog da Toscana ou da Provence, não da Serra do Mar...
A primeira coisa a se fazer é não ficar repetindo a toda hora que há uma crise no ar. Existe uma fábula, que os motivadores adoram contar nos workshops, que o cara não sabia que havia uma crise porque estava ocupado demais trabalhando. Isto é de grande serventia aos patrões, mas você que é empregado sabe muito bem quando o mês acaba antes no saldo bancário. Você já sabe, faz supermercado, de alguma maneira se informa. Então use a informação para se precaver, não vai adiantar nada criticar o governo, jogar a culpa disto lá em Brasília - não que eles não sejam responsáveis também, mas lembre disto nas eleições - porque o rombo é mais em cima, é global para ser exato. Converse sobre soluções, a crise geralmente não gosta que a desafiem e vira marola.
Não saia por aí comprando importado mais barato. Você está resolvendo o problema de outro país, e se continuar a fazer isto amanhã você vai ser demitido, a não ser que trabalhe no ramo de importação. É meu caro, quando não há venda, a primeira coisa que acontece é o trabalhador perder o emprego, justo ou não, com MBA ou fluente em cinco idiomas, você vai para o olho da rua, tenha ou não dívidas. É o capitalismo ô meu!
Dívidas. Como a classe média adora uma prestação. Parcela tudo como se a própria vida fosse infinita. Acredito que financiar um imóvel seja necessário, um automóvel talvez, mas bens de consumo? Basta fazer as contas e ver o quanto de juro é pago nestas tantas vezes sem acréscimos. Balela, junte a grana e compre à vista com desconto. Pagou é teu e te dá liberdade para demitir teu patrão quando assim o desejar.
Agora, mais do que se endividar, é fazê-lo em dólar. Desculpe, mas é falta de inteligência mesmo. Quem pode garantir que a paridade vai continuar assim tão favorável. Pois é, ninguém garante e agora José, o dólar subiu, tua dívida também, mas você recebe em Real. Sabe o que as administratoras vão fazer? Cobrar, e se você parcelar o cartão, além de tudo, vai pagar juros de 200% ao ano porque trouxe aquele monte de bugigangas de Miami. Você contribuiu para o Tio San sair do huricane que se meteu e caiu na vossoroca dos maleteiros (maleteiro é o sacoleiro com grife).
E a invasão de produtos chineses. Você já se perguntou a custa de quê estes produtos são tão baratos? Você sabe que lá ainda executam quem se opõe ao regime? E ainda cobram as balas do fuzilamento da família do suposto opositor. Sem julgamento, sem a media internacional se incomodar, sem embargo da ONU. E sabe o que acontece com o segundo filho se for mulher? Se ela escapar da morte, ela não existe... É isto mesmo, não tem identidade, não tem família, não tem tem direitos e, se não cair na prostituição, vai ser mão de obra escrava dos produtos que você compra baratinho. Desde os pisca-pisca de Natal, que não duram até o Reveillon, passando pelos tecidos que duram uma estação, e, quem sabe, estes automóveis que a classe média correu para comprar antes do aumento de imposto. Tudo isto em detrimento do nosso emprego que, bem ou mal, paga impostos e tem lei protegendo.
Eu não fui para a China para saber destas informações. Elas estão na imprensa, de maneira homeopática, entre um índice de IGPM e um gol.
Em tempo: como pode um país com pouco mais de 500 anos de história vetar a aceitação de um estado, cujo povo existe desde os primórdios da civilização. Viva a Palestina, viva o Estado de Israel e vamos parar com esta richa de irmãos, afinal não são todos filhos de Abrão?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Caixa rápido

A fila de carrinhos serpenteia entre pacotes de frituras, chocolates, plásticos e revistas de fofocas. No alto-falante uma voz chata - entre um locutor esportivo e um vendedor de jeans da Rua Direita - anuncia a promoção "imperdível" do ano, autorizada somente àquela unidade em todo o país, apenas 8 objetos do desejo, "você pára tudo o que estiver fazendo e corra até a entrada para pegar a senha...", e ele repete, a cada minuto, em contagem regressiva, durante eternos 5 minutos, a mesma ladainha consumista, deixando cartões de crédito, débito e cheques pré-datadas em estado de excitação extrema, piscando e dando choques nos bolsos e carteiras dos incautos.
Na Babel da espera, tem gente com um único pacote na mão, alguns com um cestinho pesado, outros com carrinhos pequenos e muitos com as compras divididas entre os familiares. Um grupo de adolescentes carrega latinhas de cerveja, ainda em seus plásticos, destilados e muito refrigerante escuro, desafiando o locutor entoando sambas de cama, mesa e banho, com seus cortes de cabelo bancário e gírias que necessitam de tecla sap para entendimento. As meninas deste grupo carregam muito amendoim e vão despejando os sacos de chips que encontram no caminho, todas segurando em uma das mãos o celular à espera de uma mensagem (ou de um milagre?).
A morena esguia esboça um sorriso, após o idoso atrás dela comentar alguma coisa, e deixa revelar as belas covinhas que até então seu rosto não mostrava. Cinco latas de leite em pó, três pacotes de absorvente, uma lasanha pequena congelada, uma latinha de suco de uva e um vaso de crisântemos foi o que a fez encarar meia hora de fila ao som do locutor que, finalmente, anunciou a LCD de 42" por apenas um valor estrambólico. Alguém muito mal informado sobre preços apareceu no fim da fila com duas caixas da fantasiosa promoção.
Algumas pessoas a frente, o que parece ser a esposa descasca a reputação do que pode ser o marido, porque não queria ter parado ali, estava perdendo os últimos capítulos da novela, que a mãe dele bem que poderia vir visitá-los no 13º mês, que para a mãe dela ele não fazia tudo isso (discos de pizza pronta do próprio supermercado), que a casa não estava em ordem e a sogra ia reparar, que achava que a filha não era mais virgem, que o filho escutava umas músicas estranhas e a vizinha era fofoqueira e falava muito mal do marido...
Em outra ponta, uma criança dentro do carrinho degusta e se lambuza do que deveria ser a sobremesa do jovem casal, ele de terno escuro, camisa azul marinho e gravata vermelha e ela de saia até as canelas, camisa branca com renda e cabelos compridos enrolados em um coque por trás da cabeça. Mais atrás uma família de peso carrega dois potes de sorvete, pacotes de casquinha, coberturas de chocolate e caramelo, chantily e refrigerante diet. O filho negocia com o pai a presença ou não de alguns amigos, no que parece que as notas do garoto não lhe dão argumento. A filha, caçula da família, tem as bochecas vermelhas e um brilho nos olhos de quem não vê a hora de provar a iguaria.
Discretissimo, o malhado e bombado segurança de boate ou lutador de MMA, vigia sua garrafa de vinho tinto suave, pão, ovos e embutidos, e parece não se importar com a atenção que desperta sua parceira, visivelmente oxigenada e bem dotada, apesar da baixa estatura, principalmente por vestir um justissimo short de jeans, digno de dançarina de funk, contrariando a temperatura de 11°, muito interessada nas revistas sobre celebridades. Agora entendo porque alguns idosos abriram mão de sua fila preferencial.
Após 40 minutos chega minha vez. Mal coloco os produtos na esteira e a caixa, acho que com uma pontinha de ironia, avisa que "caiu o sistema". Pergunto se não dá para anotar na caderneta, ela não entende minha piada, já nasceu sob a leitura do código de barras. Explico que antigamente...o tal do sistema não volta e resolvo abandonar a compra, a morena, a loira e os sorvetes para outro dia.

sábado, 27 de agosto de 2011

Lembranças da Serra Gaúcha

Eu tive a sorte de trabalhar no Guia 4 Rodas, e a competência de permanecer lá por 10 anos, e uma das viagens que fiz está marcada até hoje na minha memória. Foi na região da Serra e Vinho Gaúchos, onde encontrei muitos descendentes, como eu, de imigrantes italianos, além de oriundos da Alemanha. Devo ter engordado uns cinco quilos (estou sendo condescendente...) neste "trabalho".
Aterrizar em Porto Alegre, por mais que os colegas tenham me antecipado, é uma beleza só. Como gaúcha é bonita, Dio mio, quanta ragazza, barbaridade tchê. Carro alugado, mas que sotaque agradável, e vou eu rumo ao destino embriagante e pantagruélico. Apesar de ir para uma região onde o frio é o atrativo, era verão quando lá estive.
Não pretendo citar lugares, mas passagens, e minha primeira refeição foi uma colonial: pães, queijos, embutidos e outras iguarias, com um ótimo vinho nacional que até então eu desconhecia. Após madrugar para pegar o vôo, toda a agitação para chegar à primeira cidade, uma refeição destas é para premiar, já que tudo é feito pela família, não havia nada industrial. Fui dormir satisfeito...
Fui bem cuidadoso no farto café da manhã, já que iria visitar cantinas e, degustar vinhos. Em umas dessas visitas, eu estava sozinho e uma bela guria de olhos turqueza, loira e com a cor de camarão por ter tomado muito sol no fim de semana, atendeu-me com um sorriso prá lá de tri legal. Ela inverteu os papéis, me fuzilou de olhares e perguntas, queria saber como era São Paulo, como era meu trabalho, como eu era... Ela falava comigo entre uma uva e outra, de uma bandeja com vários cachos de niágara, e colocava maliciosamente as uvas entre os lábios antes de sorvê-las. Até que centralizou aquele olhar de horizonte mar e céu e me perguntou: Tu queres um bago guri?
Café Colonial, vá a pé de Porto Alegre até a Serra antes de encarar um, assim não haverá remorso e você vai poder experimentar tudo, embutidos, queijos, tortinhas salgadas e doces, patês e geléias, pães, bolos, frutas, doces e, claro, café com leite ou chá. Imagine uma mesa dessas para um viajante solitário e que não foge à labuta do trabalho diário e estafante... Santo Dio
No meio deste tempo atemporal, sabia que era um domingo e estava na área rural, transitando por entre parreiras e estradas de terra, parecia a Toscana, até que vi uma idosa, toda vestida para missa, caminhando sozinha em meio à poeira. Parei o carro e ofereci carona - apesar de vestir preto, tinha o rosto enrugado bem maquiado - no que ela me perguntou, com sotaque: Di qui famiglia oste é? Eu respondi, Izipettô, e a senhora entrou no carro e foi comigo até uma igreja, uns três quilômetros adiante, sem proferir uma palavra sequer, apenas um obrigado quando saiu. O sino tocava quando chegamos, acho que ela já estava atrasada e Felinni gostaria desta cena...
Restaurante de Galetos: Capeletti in Brodo, radicci com toucinho, polenta frita ou de forno recheada com muzzarela, galeto assado, maionese, massas e sobremesas. Para comer sem pressa e sem culpa, basta escalar o Itaimbezinho e tudo volta ao normal. Felicitá...
Não sei se ainda existe, mas quando estive por lá a Adega Medieval, em Viamão, era uma referência de vinho artesanal. Fui atendido pelo próprio Oscar Gugliomoni (desculpem se não acertei a grafia), que não só me mostrou seus tonéis, como dividimos um branco antes do almoço, e um tinto durante, que foi arroz, feijão, abóbora e cochas de frango. Um apaixonado por vinhos e responsável por este autor também gostar de taças e rótulos. Anos mais tarde soube que morreu assassinado, um desperdício...
Eu lotei duas caixas de isopor, grandes, com garrafas que fui comprando aqui e ali, por não encontrá-las em São Paulo. Na volta quis o destino que eu pegasse um vôo que vinha de Buenos Aires, além de poder passar no Free Shopping, tive que me explicar na Receita Federal o que iria fazer com tantas garrafas. Quando a auditora, que não tinha os mesmos dotes das gaúchas, viu que eram vinhos brasileiros, mandou eu passar, não sem lançar a pergunta: o que você vai fazer com tanto vinho? Degustá-los...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Aromas de conversa

Hoje saí da toca para entregar os pães, todos que fiz na penúltima fornada estão agora cumprindo seu destino, o que é ótimo e me permitiu relevar o trânsito de São Paulo no roteiro São Bernardo do Campo, Jardim da Saúde, Belém, Cerqueira César e Pirituba, radiador esquentando, luz de óleo acendendo, gasolina no raspo do tacho e o rodízio limitando meu tempo e tornando a aventura mais emocionante: cruzei a marginal  Tietê exatamente às 17 horas em direção à última entrega e uma grande surpresa.
Satye Yada, terapeuta holística - cujo blog está na lista ao lado - eu conhecia apenas de vista, quando ambos trabalhamos na Movie&Art Produções Cinematográficas (merchand gratuíto porque gostei de trabalhar lá, sou grato) e depois no Facebook. Ela pediu o pão pelas fotos que postei ontem, não conhecia meu lado alquímico nem eu fazia idéia da terapia dela. O trabalho convencional limita a nossa vida, nos faz perder momentos preciosos, como uma conversa sem os receios de estar dando munição a um adversário, que é o que acontece no mundo competitivo de hoje.
Eu levei o pão e ganhei uma padaria de conhecimento. Fui brindado sobre aromaterapia (e não vou contar detalhes porque isto é uma ciência, precisa estudar muito para poder falar e quem quiser eu indico a Satye e você agenda uma consulta). E conversa vai, conversa vem, e dá uma cheiradinha aqui, uma explicação, uma interpretação e fui convidado para jantar...
Ofereci ajuda no que Satye transmutou-se em bushi, pude até vê-la vestida  de o-yoroi e respondendo que se eu tentasse ajudá-la, na cozinha dela, ela faria uso da katana samurai e sssffficth (é, bem no lugar que você deve ter imaginado). Contentei-me em lavar a louça e quanto a isso não corri nenhum risco de mutilação...
De uma frigideira alta, cubos de frango, maçã, repolho rasgado, um cheiro de alecrim e óleo de gergelim no final, acompanhados de molho, criação dela, a base de missô, shoyo, sakê, açucar, alho e gengibre, que é uma delícia e que vou tentar reproduzir aqui em meus pratos. Frango a Yada, acompanhado de gohan.
Isto tudo aconteceu porque não achei longe, nem reclamei de atravessar a grande São Paulo para entregar pão. A gente atrai o que pensa e ouvi muita sabedoria nesta tarde/noite de quarta-feira. Prometi fazer um spaghetti al vôngole para ela e o filho (mas irei previamente paramentado com uma armadura, nunca se sabe quando o bushi vai baixar de novo...). Esquecemos de fotografar o prato, fica para a próxima

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Paternidade

Era um sábado qualquer, dia de sol e meu saudoso pai disse que iríamos assistir ao jogo Palmeiras e Saad, no Parque Antárctica, para nós na longínqua Água Branca, duas conduções e tudo o mais. A primeira vez a gente não esquece e, naquele tempo jogo ao vivo pela TV era raríssimo, estava mais acostumado a ouví-los pelo rádio, com Fiori Gigliotti e, com muito mais emoção, Osmar Santos. Naquele tempo meu time disputava, e ganhava campeonatos...
Meu coraçãozinho de pré-adolescente bateu forte quando escutei, ainda na bilheteria, o grito da torcida que canta e vibra. Meu pai, com a sabedoria expontânea de caboclo do interior, profetizou que o time adversário já devia estar na frente do placar, e não deu outra, quando conseguimos um lugar na arquibancada, na curva posterior à das piscinas, já estava 0 x 1, que no decorrer no primeiro tempo viraria 0 x 2. Mas os times trocaram de campo, e assisti o empate do Palmeiras naquele lugar mesmo, e meu time seria campeão paulista daquele ano. Assistir ao jogo do seu time com seu pai não tem preço, independente do resultado... e esta é uma das melhores lembranças que tenho do meu pai.
Tenho dois filhos únicos, pela diferença de tempo que eles vieram ao mundo, e posso garantir que o nascimento deles foram momentos ímpares na minha vida. Não tem como explicar ver aquele ser, ainda com cara de joelho inchado, aparecer para o mundo. É a nossa maneira de parir, e única também, já que a natureza nos reservou o papel de coadjuvantes - e com a modernização da medicina, cada vez mais secundários - no processo de gestação. O homem que não presencia isto é um ser incompleto.
Quis o destino que eu encontrasse uma enteada, que apesar do relacionamento ter se transformado em amizade, continuamos com uma ligação de pai e filha. Não a vi nascer para o mundo, mas tenho a grata satisfação de acompanhá-la no despertar para vida, já trilhando seus projetos e escrevendo suas poesias. Eu sou uma pessoa de muita sorte.
Hoje ser pai é bem mais complicado (para quem ainda não leu, minha crônica Dia de Homem tenta explicar alguma coisa). Não basta contribuir com a genética, você vai ter que aprender, e suportar, trocar fraldas, tirar temperatura e passar as primeiras noites em claro, sob o risco de ser despejado da função. Aquela figura que sai de manhã para trabalhar e volta à noite, fingindo ouvir o que a mãe descabelada e cheia de olheiras tenta te contar, não cola mais. Tome sua linha ou o próximo filho sairá de um banco de espermas...
E este novo comportamento não tira os antigos, como satisfazer as vontades da gestante, por mais absurdas que sejam, no meio de uma noite fria e chuvosa, em tomar sorvete de cupuaçu ou ir procurar ostras frescas no litoral. Ter um rebento com a cara de sorvete ou de molusco não é um risco que valha a pena correr. E tem que ser carinhoso, porque a futura mãe chora para qualquer espirro que você dê enviesado. Não temos as dores do parto, mas que elas aproveitam, isto aproveitam sim.
Devo registrar que repeti o ritual do futebol com meu filho mais velho, numa época brava para o Alviverde, mas aí espero que ele mesmo conte sua experiência. Com o filho mais novo visitei o museu do futebol, e nos divertimos muito naquela tarde ensolarada no Pacaembu. Com a filha existe um problema de incompatibilidade de torcida (rsrsrs). Mas os três têm algo em comum em relação a minha pessoa: devoram os pratos que, porventura, eu preparo para eles, e não tem emoção maior, para um pai, do que esta.

Edman
12/08/2011
Parabéns a todos os pais, heróis ou não.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Hastes flexíveis MacGyver

No atual nível de consumo, que o Brasil descobriu recentemente de uma maneira mais democrática, os pequenos consertos ficaram para plano X, para xô coisa quebrada que eu quero uma nova. Passou a garantia de eletroeletrônicos, pifou vai para o lixo (aliás, tem lugar certo para descartar estas coisas, não na calçada dos vizinhos ou no reciclável, procure no link: http://www.prac.com.br/ ), e a natureza que se vire, e ela está se virando com a gente no meio desta gastrite toda. Mas isto é assunto para outra história...
Estava há três anos sem usar o alarme do meu carro porque a peça que o aciona, que fica junto às chaves, estava com problemas. Acendia e nada do pi, ou pi pi pi. Fui num centro automotivo especializado em alarmes - pelo menos é este o peixe que ele vende, ou vendia - e ouvi a seguinte explicação: "esta peça não tem conserto, você vai ter que trocar todo o alarme..."
Não satisfeito e nem burro, fui num chaveiro que realiza este tipo de coisa, e ouvi a mesma ladainha, aí acreditei porque ele apenas conserta, não vende alarmes. Coloquei a Bíblia dos Espíritas dentro do carro, uma fita vermelha no retrovisor central, e nenhum ladrão encantou-se pelo meu automóvel, que não é lá mais tudo isso, tem mais de dez anos, mas é meu.
Não sei porque cargas d'água um dia destes qualquer achei a cópia da chave, que pensei ter perdido, como se encontra essas coisas que você cansa de procurar e não aparece, ela literalmente caiu no meu colo de um lugar que havia revirado várias vezes - que elas existem, há se existem. Eu já o havia aposentado - eu o usei primeiro quando comprei o auto (espaço para merchand) - porque também estava com defeito. Resolvi abrir, achei que estava sujo, peguei uma haste flexível (olha o merchand que poderia haver aqui), molhei suavemente no álcool, e limpei. Pilha nova e meu alarme, que teria que ser todo trocado, voltou a funcionar.
Neste final de semana, tinha alugado dois dvd's e só consegui parar para vê-los domingo à noite. Tinha esquecido que para eu acionar o dvd na minha tv, um tal de imput, preciso do controle remoto, que está quebrado. Como todas as coisas que eu compro, meus aparelhos são muito difíceis de achar peça. As do meu carro vem todas da longínqua Argentina, que eu só soube depois que comprei, e que está sempre em falta para justificar um preço acima da tabela. Minha tv também, apesar de dois controles originais, eles perderam o controle do tempo e deixaram de on/off. Um deles funcionou até outro dia, com um pedaço de papel dobrado entre as pilhas, forçando a barra e minha paciência quando deixava de funcionar. Até que houve um último suspiro e resolvi levar a um técnico, após um dia de análises ele decretou o óbito, sem direito a respiração circuito/circuito. Fui procurar um novo. Não existe, tem de todas as marcas, menos da minha. Até que achei uma que poderia servir, claro que o dobro do valor das outras.
Funcionou dois meses. Fui procurar alguma explicação e vi, made in China. Fui enganado duas vezes, na origem e no valor, que deve ter custado bem menos do que paguei. Onde está a nota, acho que entrou no mesmo buraco que estava a chave, sumiu. Mas deixa pra lá que ainda resolvo esta pendenga...
Então sem controle, sem dvd. Abri o véinho, que tinha funcionado até outro dia, parecia o mapa do Egito, com suas pirâmides cercadas de areia. Limpei, apelei para as hastes flexíveis com álcool, coloquei as pilhas (espaço para merchand) e, funcionou, sem os papéis no meio delas. Santo Álcool dos circuitos ressuscitados...

Edman
09/08/2011

domingo, 31 de julho de 2011

Catadores


Ao ler o título da crônica você pode ter fantasiado em algum malhado e sarado, que circula pela noite à cata de mulheres disponíveis (ou vice versa, né), mas para sua (in)felicidade não é disso que vou comentar. Os catadores são pessoas invisíveis da nossa sociedade.
Onde moro tenho a visão dos recipientes de lixo reciclável, a foto foi tirada do meu portão, na maior discrição possível e não sabia que minha Kodak (olha o merchand gratuíto) tinha todo este recurso. Tenho a visão, mas não é perto o suficiente. E sou jornalista pô, me esgueiro pelas frestas da notícia (que coisa mais patética...)
A distância não é suficiente para abafar o som, escuto tudo o que dizem, principalmente à noite, como uma concha acústica. São famílias inteiras garipando ( não fotografei por ter crianças, e é por isto que continuo free lancer, tenho lá meus ideais de comportamento, não usaria isto).
A reciclagem aqui em São Bernardo do Campo funciona, do ponto de vista da coleta. Não dos cidadãos, mas isto é outro assunto. A pessoa da foto juntou três sacos do que "colheu" e carregou nas costas não sei para onde. Está caro morar em favela, a especulação já chegou lá e, com o quê comandar a comunidade, tem que pagar um valor acima do que ganham. Quem garimpa lixo não mora, passa a noite.
Nas caminhadas que faço em dia que passa o lixeiro, o convencional que deveria ser apenas orgânico, é um comboio de fuscas, chevettes, marajós e fiat 147 (e eu não recebo nem um centavo por citar as marcas, não é justo) disputando a mercadoria. Eles abrem com maestria os sacos (ainda teimam em usar plásticos), olham e tornam a fechar, não espalham sujeira na calçada do morador, é bom ressaltar isto, e pescam o que interessam. Os "carros", que já chegam arqueados pela idade, uso e maus tratos, "refugam", engasgam e sofregamente carregam a carga extra.
Já presenciei mais de 10 (dez) pessoas, durante a madrugada, revirando os recipientes do lixo reciclável, e acho que era uma família inteira, pois havia divisão de tarefas. Fui observador até que resolvi ser gente, estou vendo aquelas pessoas, ignorar ou reclamar não muda a situação delas.
Cumprimentei o homem da marajó (depois da pororoca) e ele assustou-se, demonstrou medo, além de estar muito irritado com o "automóvel". Ele vem com a mulher e a filha. A blusa de lã da filha, com o emblema de escola municipal, caiu do carro. Peguei e levei, andando pois o carro se arrasta mesmo, e a mãe não conseguiu me olhar nos olhos, disse obrigado olhando para o chão. A criança não, ficou me olhando com olhos de peralta, agradecendo na liguagem das crianças que ainda não mataram a inocência e a gratidão, que eu a tinha salvado de algum pito. Estranho foi ver a expressão de espanto de uma catador, quando pedi licença a ele para colocar uns plásticos no "container" que ele garimpava. Percebi que não está acostumado com isto.
A família de dez pessoas vem no chevette, vem é maneira de dizer, uns quatro vem dentro, os outros empurrando. Não sei como este carro, sedan, conseguiu continuar existindo. Parece um origami de durepox (mais uns troquinhos que eu poderia receber) e sua lataria uma exposição de sinos de ventos. A curiosidade ainda não venceu a timidez de sair de casa e ir conversar com aquelas pessoas, mas primeiro preciso conquistar o casal com a filha, que vem de dia (mostra a cara, mesmo que rabugenta) e é cuidadosa na coleta.
Mas sabe quem bagunça o local do lixo reciclável? Não são os catadores, que até diminuem o que é jogado lá, mas os condutores e passageiros de carros de luxo, provavelmente do condomínio de luxo que existe em frente. Descarregam o resultado do seu consumo, sem dia certo, mesmo com a lixeira entupida, e de maneira errada. Não estou julgando dialeticamente a sociedade, eu vejo isto acontecer, e se ainda não intervi, é porque preciso escrever antes disso. Prefiro conquistar os catadores primeiro.

Edman
31/07/2011

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Oração

A refeição deixou de ser uma mera alimentação - para alguns, reconheço - e passou a ter rituais similares aos cultos ou sociedades secretas. Eu, descendente de italianos, a vejo como uma forma de oração, é um momento de se reunir, confraternizar, resolver todos os problemas do mundo e, mangiare...
Aqui vai um banquete, que já fiz para minha família quando ainda eles desconfiavam que eu poderia fazer alguma coisa no fogão. Foi a primeira refeição completa que preparei, e não esqueço até hoje pois sempre pedem para repeti-la. E refeição é igual a jazz, não existe uma igual a outra, depende dos ingredientes, do clima e da energia de quem prepara. Aqui vai um ossobuco e um risoto à moda de milão...
Na véspera, prepare o caldo para o risoto: duas fatias de ossobuco, um peito de frango (se for galinha caipira, melhor ainda) com osso, cebolas descascadas inteiras, alhos descascacados e inteiros, duas batatas e cenouras idem, um pouco de talos de aipo (dois são suficientes ou eles vão dominar o caldo)e o bouquet garni: (ramos de tomilho, folhas de salsa e louro, grãos de pimenta do reino, amarrados em mousselina). Numa panela grossa e grande, ferva a água e coloque os ingredientes, mais sal e deixe cozinhar em fogo baixo, por um longo tempo. Dá tempo de ler Os Sertões ou Grande Sertão Veredas (rsrsrs), mas é para esquecer, apenas acompanhe e deixe água quente ao lado para ir completando. Desfrute dos temperos exalando seus perfumes aos poucos, sem pressa, que a vida é bela e tudo que é bom, demora a acontecer...
Você vai saber quando estiver pronto, experimente, acerte o sal, coe (e aproveite os legumes e as carnes para matar a fome porque vai lhe dar água na boca), espere esfriar e coloque na geladeira. No dia seguinte o excesso de gordura estará concentrado em cima, retire com cuidado com uma escumadeira e vamos aos finalmente.
Peça ao açougueiro para cortar o ossobuco com 5 cm de espessura, não compre congelado, não tem sabor algum. Que você não saiba o que é ossobuco, vá lá, mas se teu açogueiro não souber, troque de açogueiro...Faça uma mistura de farinha de trigo com pimenta do reino moída e sal, e outra de ovo batido. Passe a carne no ovo e depois na farinha. Reserve (sempre gostei desta expressão nas receitas, não diz muito mas é simpática)
Numa panela de fundo grosso, se for de ferro, perfeita, ajeite rodelas de cebola, lâminas de alho, tomate picado (a gosto tirar sementes e pele, eu não tiro), folhas de aipo e sal. Antes de colocar os ossobucos já enfarinhados, dê uma seladas neles, numa frigideira com pouco azeite, dos dois lados, para não deixar que o tutano desprenda-se e que os sucos da carne permaneçam... hum. Faça camadas intercaladas de temperos e carne, tampe e cozinhe, aproveitando o azeite da selação e um pouco de vinho tinto com um pouco de caldo, muito pouco. Demora para ficar pronto, quem tem pressa que vá no fast food ...
Acho que depois de umas três horas, com você vigiando e completando o líquido, pode começar a preparar o risoto. Aqueça o caldo sem ferver. Pique cebolas e coloque a manteiga para derreter. Refogue as cebolas na manteiga com um pouquinho de azeite, pois a manteiga não tem muita tolerância com altas temperaturas. Quando a cebola estiver transparente, coloque o arroz arbóreo, sem lavar, e refogue mexendo bem. Coloque um vinho branco, a qualidade dele depende da importância que você dá para a vida, até que todo o arroz fique coberto, e deixe levantar fervura. Quando isto acontecer, complete com o caldo já aquecido, jamais coloque caldo frio no arroz em cozimento, ele não está fazendo sauna. Coloque e vá mexendo, sempre completando com caldo quente e remexendo, e acompanhe o ossobuco (é meu caro(a), a vida é dura...). O risoto tem que ficar pronto e ser servido, caso contrário é divórcio ou você é deserdado...Acrescente parmesão ralado (ralado, não de saquinho, e se for pecorino romano, você ganha a gata e a família)
Separe uma caneca com caldo bem quente e dissolva o açafrão (tá pensando que é pouca coisa, é açafrão, não cúrcuma) e coloque quando o risoto já estiver próximo do al dente. Não sei explicar como isto acontece, experimente caracas...
Cutuque o ossobuco, ele tem que ficar macio e quase desprender do osso. Se você conseguir terminar os dois pratos ao mesmo tempo passou no teste...
Uma salada verde amarga, como rúcula, acompanha bem este prato, desde que seja sem vinagre. De aperitivo, você pode servir pão italiano com paté de fígado, que o Manacá da Serra Emphoriun terá orgulho de lhe oferecer. Corte no sentido do comprimento, cenouras, talos de aipo, pepinos e nabos, coloque numa taça grande com gelo e sirva como petisco. O cheiro da comida vai dar fome, vai abrir o apetite até dos mais concentrados faquires, portanto é melhor ir enrolando...
Um xerez gelado, de aperitivo, também vai amainar os estômagos mais afoitos e liberar as línguas mais inoportunas, se você tiver uma câmera, filme, pode ganhar alguma coisa em Canes... O vinho que completa este prato pode ser um Concha Y Toro, Marques da Casa Concha, chileno, cabernet sauvignon, com no mínimo 6 anos de descanso e maturação, várias garrafas... Não esqueça de colocar colheres de café na mesa, elas vão servir para comer o tutano que fica no centro dos ossobucos. E após todos os pratos limpos, uma grappa como digestivo, e café, muito café para levantar da mesa sem vexames. O melhor fundo musical para esta refeição é a trilha sonora do Poderoso Chefão.
A sobremesa que fiz neste dia foi uma torta de damasco, ficou ótima e só fiz uma vez ou já estaria beirando os 120 kg. Com creme de leite azedo vai muito bem.
True history

Edman
25/07/2011
Eu faço este banquete na tua casa, basta combinar e vai sair mais barato que ir ao um restaurante. O Manacá da Serra Emphoriun patrocinou esta crônica.
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sábado, 16 de julho de 2011

Dia de homem

Levanto correndo para preparar o café, as torradas mornas sem queimar e o suco de frutas sem açucar, entre o frio e o gelado. Ela não pode perder tempo, após o banho matinal toma o café entre jornais e, com a boca com gosto de hortelã, me deseja um bom dia. Poucas palavras nesta hora é uma sábia decisão.
Fico com os afazeres domésticos, mas antes tenho a academia para manter a forma e o pique, afinal, está trabalhoso ser macho nos dias de hoje. Volto para casa e, na mesma roupa do malho, arrumo a cama sem restos de amor, tiro o pó dos móveis e do meu orgulho, arrumo os livros da estante e das minhas leituras, com o rádio ligado, notícias e música, trânsito e fofocas de celebridades: eta vida besta meu Deus...
Ela avisou que vem almoçar em casa, determinou o cardápio e horário, afinal, ela é quem manda e paga as contas, "eu sou apenas, seu homem"... Arroz com seleta de legumes, mas não de latinha que tem muito sódio; lentilha com pedaços de toucinho magro - acho toucinho magro uma incoerência gastronômica - , berinjela assada com azeite e parmesão light, rúcula, tomate cereja e cenoura crus, e um filé de tilápia apenas "beijado no azeite quente".
Ela chega no horário, ela é irritantemente pontual, as vezes mais que o relógio, faz a pergunta mais crítica que um homem nos dias de hoje pode ouvir: como foi seu dia? Mas como não vou ter tempo de responder mesmo, ela descreve toda a sua manhã movimentada, a discussão com uma colega, as tiradas de sarro porque o time de fulano perdeu (essa fala não era minha?) e até o que vai fazer à tarde. Com um beijo de manjar, despede-se e avisa que não a espere para o jantar.
Estou ocupadíssimo mesmo pela tarde, horário para a depilação no peito, para o pedicuro, pés masculinos sempre serão masculinos, haja lima para deixá-los na forma, e para uma hidratação nos cabelos. A escova progressiva já me tentou, mas meu senso de ridículo, e algum resto de machismo, falou mais alto e impediu este atentado aos meus cachos naturais. Também preciso corrigir os fios brancos do cavanhaque...
A tv aberta ainda não acordou para a realidade, não existem programas vespertinos para os homens modernos, ou são para as mulheres ou futebol. Bordados, receitas e como ganhar dinheiro, mas não há dicas de pequenos consertos e aquelas coisas que homem faz quando está em casa. Precisamos criar um movimento para isso, queremos ser ouvidos, homens, héteros, maridos domésticos...
Marco meus exames de rotina, próstata, colo, ergométrico, colesterol, testosterona. Há muito do que dar conta sem, literalmente, deixar a peteca cair. Como disse há pouco, dá trabalho esta nova condição. O capitalismo resolveu empregar mulheres, e elas resolveram fazer de tudo. Ou você é milionário, ou dono do próprio negócio, funcionário público ou marido domesticado...
Eu sei que o dia do homem já passou, é que a crônica ficou esperando o autor e, como as coisas mudaram, o autor chegou atrasado. Espero que ela não fique brava, o sofá não é muito onfortável para dormir...

Edman
16/07/2011
Penso seriamente em criar uma parada para esse fim...
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança terá sido uma mera coincidência

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Dia de pizza

Ela é redonda, uma revolução para a humanidade quando descobrimos a roda. Não tem cantos para esconder, ou se esconder, as vezes uma borda recheada, invenção brasileira. Originalmente foi um prato rústico, da área rural da Itália, comida de pobre mesmo, simples de fazer, tão simples que poucos o sabem fazê-la direito.
Mas seu formato convida ao bate papo, sem privilégios, e dependendo da cobertura, tem tudo que um animal, como nós, precisa para se alimentar e acalentar as conversas. Meus passeios na infância, raros devidos a dureza, era um filme no Cine Samarone, no Sacomã, e uma pizza de mussarela depois, não lembro mais o nome do lugar, mas ficava no final da Rua Silva Bueno, também no Sacomã, e era um deguste só, já que naquela época não havia as infinitas pizzarias que entregam em casa com o gastrítico gosto de papelão.
Ela evolui no Brasil, mais especificamente na cidade de São Paulo, e já ouvi de quem experimentou a redonda na Itália que lá não tem os sabores e a qualidade paulistana. Aqui já existem grifes, não vou citar nomes pois esta crônica é gratuíta e não vou fazer merchandising de bobeira, de brotinho... Particularmente eu prefiro as tradicionais, mussarela, calabreza, atum e até de marguerita, mas as vezes cai bem uma de shitake ou de abobrinha (tem um lugar que faz esta última divinamente, até para quem não gosta do legume).
É uma pena que também a transformaram numa jocosa expressão, principalmente quando há uma coisa errada e, apesar de revelada, nada acontece. Isto já virou um disco riscado no Brasil, sempre se repete, em moto contínuo, mas o prato em si não tem nada a ver com isto, continua a refestelar os jantares quando não se tem muito o que pensar, apesar da lista enorme de combinações, para todos os gostos, e mau gostos, principalmente os que acrescentam um certo queijo cremoso que não sei quem foi o infeliz que o fez (um grande boca de cabra).
Assada no forno à lenha, que me perdoem os verdes, ela sai borbulhante até a mesa, aquecendo qualquer fome, quebrando dietas e regras de etiqueta, já que para ela não as há, democrático prato divino, sem regras, apenas aquele triângulo no prato, soltando fumaça e perfumes, sendo mastigada pedaço por pedaço, e se for com a mussarela certa, aquele fio de queijo derretido a embaraçar os mais empertigados...
Viva o dia da pizza, que ela nunca acabe em uma...

Edman
10/07/2011

domingo, 3 de julho de 2011

Democracia animal

Salvar o planeta onde habitamos vai além de reciclar lixo. Somos os detentores da racionalidade e precisamos aprender a conviver com os outros seres, sejam do reino animal, vegetal e mineral, sem o quê, não há planeta...
Existem os anônimos que se viram com os animais domésticos, abandonados pelos seus "donos", eles os recolhem, castram, vacinam, vermifugam e os deixam prontos para encontrar outro lar, não dono, porque a escravidão já foi abolida há alguns recentes anos. Eles querem trocar carinho, não alguém que lhes dê ordem ou despejem ração no comedouro alentejano da obrigação. Basta encarar o seu olhar para ver que existe mais que um simples animal naquele corpo, quem isto que se mude para outro planeta mais apropriado... Aqui vai meu alento para as pessoas que se dedicam a isto, trocam suas vidas, tocam suas vidas ajudando seres realmente indefesos.
Há os que resgatam os silvestres, adotados por ignorância do seu habitat, ou por das melhores intenções, mas tirá-los da vida livre é um crime e um imenso egoismo. Bicho do mato é no mato que deve viver, com todos os seus riscos e vantagens. Onça domesticada é um gato grande, deixa de ser onça até um dia que baixa o santo e ela vira onça mesmo...e você a caça, e eu vou torcer pelo felino.
Pássaros em gaiola é a mesma coisa que negros no tronco, isto mesmo, é chocante, esta crônica não é doce de leite, é pudim de quiabo com almeirão (esqueci o nome daquele fruto amargo, talvez eu lembre até o final desta crônica). Continue comprando alimentos para os pássaros, mas os dê no seu quintal, na varanda, a ponta do mamão, eles virão e vão te presentear com seus cantos, sem grades, sem obrigação, apenas agradecendo a semente de todo dia. Pássaro tem asas e elas existem para voar...e voltar aonde são bem recebidas.
Denuncie maus tratos. Quem maltrata uma animal pode muito bem estuprar, pedofilar, violentar. Não deixa de ser um convarde e só covardes fazem isto, quem tem coragem defende a terra onde vive e todos seus habitantes. Já criei pássaros em gaiola, seis todas as respostas idiotas que dava contra os "chatos" que queriam soltá-los. Hoje os tenho por manter uma área verde na minha casa, livres como eu gosto de ser, bem-te-vis, sabiás, carriças, beija-flor e outro folgado, preto e amarelo, pequeno, que gosta da água doce do colibri e chega bem perto de você. Há um azul que come os frutos da Lantana, e ela só frutifica na minha casa porque a deixei crescer o suficiente para isso. Fui presenteado com uma caixa de sementes de palmeira, não sei qual, trazidas por pássaros que no meu pequeno quintal encontram um refúgio.
Já adotei uma gata, a Kiara, que ficou comigo uns bons 5 anos, me recebia no portão como um cão, e acho que tinha um desvio de personalidade por se achar um cachorro, que sumiu sem dizer adeus.Hoje ainda convivo com a Lua, uma cadela histérica, mas companheira, e um sapo, o Hermann, que entrou no meu quintal e eu não me importei: apenas as baratas não gostam, pois somem tão logo passeiam por lá (eu não preciso me intoxicar com pesticidas). As fotos estão no meu facepara quem não acreditar...

Edman Izipetto
02/07/2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Gonçalves

A noite foi gelada, no céu limpo não há espaço para o negrume azulado,
pois as estrelas brotam no seu intermitente piscar bordando de cores o
véu da vigília. O sol ainda não se espreguiçou no horizonte, mas já
emite raios de bocejos e as siriemas grasnam a sua conversa matinal de
como passaram por mais essa prova de vida. O dia vem surgindo e
envelhece a noite, deixando a ramagem branca como prova da passagem do
tempo.
O orvalho congelado das araucárias aos poucos vai se esvaindo em
calor, regendo uma sinfonia de gotas sem chuva a bater no solo. O
vento barítono sopra seu ar perfumado, sacudindo as copas das árvores
centenárias como ondas batendo na praia. Os pássaros se agitam,
competem nos seus dialetos sonoros saudando e acordando outros
animais.
O ar se delicia com a fumaça branca das chaminés dos fogões à lenha,
trazendo à lembrança a casa de nossos avós, os tachos de cobre para
fazer doces, as panelas de ferro grudando o arroz e borbulhando o
feijão com tiras de couro suíno. O aroma do café no bule afasta os
últimos resquícios de sonolência dos humanos, degustando a bebida em
canecas de ferro fundido e debulhando o assado de fubá em palhas de
milho. O leite espumante garante a nutrição e o despertar, com a
manteiga derretendo-se no pão quente artesanal.
O cheiro de mato preguiçoso, molhado da chuva que não caiu, indica as
trilhas que levam para cachoeiras, águas que descem por entre pedras
polidas, cristalinas e geladas, banho rejuvenescedor na terra de rasos
e olhos d'água que não tem fim neste pedaço da Serra da Mantiqueira.
Sol a pino, hora de experimentar a polenta frita e recheada de
mussarela do Chiquinho, o tutu inigualável da Vilma, as delicías
mineiras do Toninho sob a vigilância da Pedra do Forno, o risoto de
pinhão do Demeter na Roça, e caminhar depois, muito caminhar para deixar o sabor
virar apenas energia.Um café no Bar do Marcelo é desculpa para visitar
sua adega, tão repleta de opções como a de qualquer centro urbano, e
sua prateleira de cachaças de todo o país.
A tarde é de passeios, de compras e conversas ao pé da serra,
acompanhados de chocolate quente e biscoito fofo, enquanto uma nova
noite nasce, estendendo sua escuridão convidativa para a lareira dos
Sabores da Mantiqueira, com suas sopas, tortas e petiscos pra lá de
trem bom sô, enquanto as estrelas de animam a repetir sua jornada de
fogos de artífício.
Lá pelas tantas, as pessoas se aninham em seus recantos, no leito
trocam seus calores sob a doce música do silêncio, quebrado, aqui e
ali, por um latido, um miado, um gemido, enquanto mais uma noite vai
se tornando senhora da situação.
Edman Izipetto
24/06/2011
Para completar, Milton Nascimento cantando as coisas de Geraes...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Politicamente correto

Tenho muito cuidado com as palavras - sei o que uma palavra certa dita na hora imprópia pode causar - porque tive o privilégio de estudar em escola pública que ainda tinha bons, idealistas e guerreiros professores (hoje são guerreiros apenas, com raras exceções), e também por ler muita literatura na minha adolescência (hoje estou a dever neste quesito), então sei o que elas significam. Mas por andar como artista, "aonde o povo está", percebi que existe um abismo entre os verbetes dos dicionários e o uso, pela grande maioria da população, das palavras.
Aqui um parenteses no significado de povo, geralmente empregado, propositalmente, para designar gente que levanta antes do sol nascer, pegar de duas a três conduções lotadas, trabalhar pela sobrevivência, e retornar à noite, ou madrugada, no que chama de casa, e este é um exemplo do verbete e de como são usadas estas sílabas. Povo aqui é todo mundo mesmo, desde o morador de rua até grandes empresários e poderosos, gente que toca a vida, nas suas possibilidades e limitações, ou não, de aproveitar o que a vida moderna te proporciona ou alija.
Voltando ao tema, e ao título, quando que minha pequena afro descendente pode ser um termo mais carinhoso que minha pretinha ou neguinha? Pode ser agressivo, pode no contexto, como a primeira expressão também... além do que na maioria das vezes teria que explicar que afro vem da África e aí todo o carinho encontra a parede da intelectualidade que, mais um exemplo, pode soar como arrogância ou aumentar a distância entre o diálogo e o afago.
Até onde meu pequeno homossexual (ou litle homo) vai abranger o que se quer dizer, numa conversa entre amigos, do que bichinha? Pode ser mais um gesto de ternura ou um preconceito, depende do tom de quem diz e de como quem escuta possa entender, mas a primeira definição não nos dá essa possibilidade, é apenas um homossexual de baixa estatura...
Chamar um cego de deficiente visual é uma tamanha miopia. Eu sou deficiente visual, está na minha carteira de habilitação, pois só posso dirigir um veículo utilizando-me de lentes corretoras (traduzindo, óculos com grau ou lentes de contato). Quem não enxerga é cego mesmo, e isto ouvi de um comediente que o é. Idoso ou velho, gordo ou obeso (por que magrão não tem conotação negativa?), aleijado ou portador de deficiência de locomoção e por aí vai. Daqui há pouco não poderemos chamar mais as mulheres de grávidas, mas de mulheres portadoras de um feto...
O politicamente correto nestes casos só está mascarando de hipocrisia uma situação já bem explícita, não resolve nenhum problema de discriminação ou preconceito, apenas dá um trato de photoshop na imagem que um tem do outro, da mesma maneira que a inquisição resolvia a pseudo falta de fé na idade média, queimando livros, pessoas e idéias.
Nós deveríamos usar o politicamente correto apenas, e tão somente, para uma classe de pessoas, que se sacrificam em prol da humanidade e dos mais necessitados, abrindo mão de sua vida privada para labutar pelos corredores do poder democrático. Politicamente correto deveria ser cobrado, isto sim, não só na época das eleições, mas em todo o mandato daqueles que a gente utilizou nosso precioso tempo para eleger.
É politicamente correto dar-se um aumento, na nem tão calada da noite, com índices absurdos de correção, encarecendo os cofres públicos em efeito cascata e tirando dinheiro de serviços essenciais? Os cofres e seios da pátria não secam jamais, pois somos vítimas da verdadeira derrama que nos tira muito e devolve míseros trocados.
É politicamente correto deixar a saúde pública em condições mais desumanas que os campos de concentração? A avó dos meus filhos precisa fazer uma cirurgia e o prazo que lhe deram é de quatro anos, como pode uma coisa dessas? É mais fácil comprar um automóvel neste tempo do que corrigir um problema que está debilitando uma pessoa?
É politicamente correto deixar remédios, comprados e muito bem pagos, perderem a validade nos depósitos do que fazê-los chegar a quem precisa, e quem não precisa de remédios neste País?
É politicamente correto deixar alunos sem material didático, obrigando-as a copiarem toda a lição, dia a dia, de livros velhos e defasados, sem a nova ortografia inclusive, em plena era digital? E isto veio ao conhecimento agora, por meio de uma matéria no Jornal da Record, embora já ocorra há anos em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. E o que acontece nos lugares mais afastados? Palmatória?
É politicamente correto estar respondendo processo, seja lá em que esfera, grau ou culpabilidade, e conseguir se candidatar, eleger-se, e pasmem, tomar posse? Porque os concursados, que estudam para entrar na carreira pública, precisam ter reputação ilibada e nenhuma pendega, por menor que seja, para tomar posse.
É politicamente correto disputar cargos no alto escalão em troca de votação favorável ao poder executivo, já que essa votação deveria representar o que o eleitorado aspira e necessita?
Politicamente correto deveriam ser os políticos, compre essa idéia, o resto é apenas gramática...

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edman izipetto

sábado, 11 de junho de 2011

À luz de velas

A mesa redonda tem uma toalha com desenhos em relevo, um arranjo de flores onde se destaca uma tulipa vermelha e flores diversas e coloridas. Ao centro um castiçal de prata empunha a vela, esculpida em espiral, esperando para ser acesa. Daquele ponto avista-se, de uma ampla janela, uma fileira de candelabros que seguem para o horizonte, com suas luzes opacas em forma de funil, delimitadas pela neblina - como um desenho em bico de pena - que torna a noite silenciosa e mística.
Chegamos ao lugar reservado, o maitre afasta a cadeira de madeira de lei para que a mulher possa se acomodar. Eu não espero, sento-me tão logo vejo a companheira devidamente instalada. Um isqueiro de metal acende a chama da vela e o cardápio nos é estendido. Após uma pergunta: "vão beber alguma coisa", pedimos uníssonos a carta de vinhos.
Após uma troca de olhares, sugestões de entrada, tabela de calorias, a defesa da matança de animais, e outras questões politicamente corretas demais, decidimos pelo spaghetti alle vongole, sem traumas, sem ferir suscetibilidades e apropriado para o momento (e depois dele). Um carpacio de salmão com endívias como entrada nos dá a folga necessária para que o zeloso, mas apressado maitre, nos deixe em paz com a nossa disputa pelo vinho, tinto pelo clima frio, branco para harmonizar o prato.
A chama dança, cigana, em torno do pavio e projeta as sombras das flores, como videntes lendo as linhas do tecido que cobre a mesa. Outros casais sussurram pelo ambiente, recriando outras danças nas velas que os acompanham: alguns valsam, outros salsareiam, mais ao centro percebe-se um flamenco e no outro extremo é possível distinguir um tango.Em poucos casos a trilha sonora já não toca, queima a parafina que escorre em lágrimas que congelam em estalagmites.
Concordamos em pedir um Mâcon-Vergisson, da Saumaize Michelin, safra 2008, um frescor e acidez típicos dos Chardonnays da Borgonha sem o excesso de madeira, que geralmente acompanha e tira a identidade da maioria desses vinhos. Ela arrisca em aceitar, pois não é fã desta uva, mas na primeira degustação sente todos os sabores e perfumes daquela região francesa. Nossa entrada também é servida, folhas crocantes e tenras com a textura do peixe defumado, azeite e alcaparras e um pouco de pecorino romano, muito pouco, para contrastar.
Nossos pratos chegam fumegantes. A fumaça dos dois se entrelaça na vela, roçando-se, subindo em kundalini até tornar-se uma. Nossos garfos enrolam a pasta, costurando projetos, tricotando idéias numa malha de promessas e vontades de cores diferentes, mas harmônicas, tecendo caminhadas e corrigindo alguns pontos que desataram na manta do relacionamento.
O perfume do azeite extra virgem com o alho afasta os pensamentos ruins; o sabor levemente picante do molusco acende os desejos que são externados lambendo-se, discreta e maliciosamente, a manteiga das conchas, num degustar de prazer e luxúria, como experientes adolescentes na primeira vez...
Nesta mistura de sabores o cenário lá fora desanuvia, um ar mediterrâneo descortina-se e a Lua descobre-se de seu véu em sua crescente caminhada para o oeste. Peras defumadas com queijo brie, e damascos secos cobertos de chocolate amargo, finalizam nosso paladar e gozo.
Nossos olhares se vêem, orbitando ao redor daquela luz trêmula, qual planetas em seus destinos distintos, elípticos, que se alinham quando as mãos se tocam e aninham, alterando as previsões astrológicas e catastróficas, recriando um novo mundo, renovando esse sentimento enamorado de se sentir completado e completando alguém.

Um ótimo domingo a todos
Edman Izipetto
12/06/2011

sábado, 4 de junho de 2011

Almoço num sábado frio

As pessoas são assim mesmo, ou se recolhem entrevadas em suas tocas "porque está muito frio para sair para qualquer lugar", ou apontam o nariz vermelho e renitente para a primeira esquina envidraçada.
Sábado, dia nacional dza feijoada e a temperatura em torno dos 15 - sensação térmica de 10º C - convidam aos corajosos, ou os que não tem muita opção mesmo.
Padaria de esquina, em frente outra padaria, ao lado um restaurante de grande porte, um dos vários de uma rota do ABC conhecida como "frango com polenta". A concorrência é a única aliada do consumidor, qualquer outra alternativa é pura dialética eleitoreira e demagógica.
Sempre há uma mesa com a turma do macacão, cuja maior disputa é a medida de suas supostas cinturas, uma gravidez masculina concebida a custa de muita cerveja, gordura saturada e o sedentarismo mórbido que deve minar a grande potência em breve. Seus pratos são verdadeiros Vesúvios incandescentes, fumacentos e prontos a entrar em erupção interna, levando o magma colesteriorino aos vales cardíacos e infartantes.
Uma mesa com o filho e o pai. Um parenteses neste fato. O filho com o pai sozinho, num almoço de sábado, é cumprimento judicial. Nenhuma mãe, em sã consciência, daria esta alforria se ainda estivesse comprometida com a paternidade. Matreira, ela sabe onde o ex está, esforçando-se ao máximo para compensar o filho de sua ausência inexpontânea, sabe que o rebento não corre perigo algum, e aproveita o tempo livre para fazer um download de suas necessidades mais básicas.
O pai pede fritas, arroz e iscas de carne acebolada, além de dividirem uma Coca 600 ml. Pagar pensão é um esfoliamento mensal, menstrual, que vai minando tuas finanças e auto estima. O filho, em torno dos 5 anos, não sabia o que eram fritas, e o pai não entende nada de nutricionismo.
Na mesa ao lado uma mulher, duas pré-adolescentes e seus indesconectáveis celularMP3, e uma garotinha, também em torno dos 5 anos. A mulher chegou primeiro, fez um prato de empreitada e devorou antes que as garotas sentassem. Ofereceu um nugget à menor, mas ela reclamou que havia uma manchinha escura. Devidamente "limpa", a menina mastigou aos poucos, como uma roedora. Balbuciou, em tom de ordem, alguma coisa à mulher, e esta foi buscar o prato: nuggets e spaghetti. Espero que não ocorra, para o bem dos filhos, um romance entre esta mãe e o pai da mesa em frente, ambos não sabem nutrir seus herdeiros com as vitaminas e sais minerais de uma boa conversa, seja em qualquer lugar que estejam, pois a distância entre estes adultos e as crianças que os acompanham era bem maior que o quarteirão que separa as outras opções de restaurante.
Embora estas duas situações deixaram-me pensativo, outra revoltou-me à gastrite: num casal um pouco mais distante da minha mesa, vi uma heresia para os meus padrões gastronômicos, por parte da mulher... Em três quartos do prato, a feijoada em toda a sua voluptuosidade, na outra parte, um spaghetti afogado em "su tinta", perguntando-se o que é que estava fazendo ali...
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edman izipetto
04/06/2011

terça-feira, 24 de maio de 2011

A garota das caçambas

Ela tem no fogo de viver o dom da fusão em transformar arames farpados - cercas limítrofes da existência dos mortais - em seres animados, que enfeitam aos olhares mais soturnos e libera, quais crianças no toque da escola, a imaginação mais adulta e tacanha.

Pedaços de madeira, lançados de volta à selva de concreto, são por ela recuperados como animais abandonados, limpos, tosquiados, tratados com o carinho de temas festivos, sensuais, instigativos: numa homenagem à árvore abatida, reescrevendo sua função de embelezar, sombrear e devolver o puro ar da arte.

Às telhas que outrora protegeram outros tetos, agora renegadas a entulho, os pincéis da menina Cuca devolvem a imponência de coroa, sugerindo tantas jóias quanto as cabeças que a cobrem e admiram possam visualizar.

Objetos largados pela idade, ou lascados pelo uso, tem por ela um banho de luzes e são customizados pelas suas mãos sem preconceitos, renascendo como objetos de desejo.

A artista feliz vai colorindo suas pegadas e borrifando gotas de vida a quem tem o privilégio de encontrá-la no caminho.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Viva as diferenças

O mundo em branco e preto tem um aspecto "noir", mas o que seria da vida se as cores primárias não se misturassem...
Ontem foi o Dia Internacional contra a Homofobia, compartilho todo o aspecto de luta, esclarecimento, alerta. O que é complicado, e até triste entender, é que em pleno século 21 ainda temos que marcar uma data para ser contra alguma coisa (por mais errada que seja), e não a favor de outra coisa, embora tenhamos na história o exemplo de Gandhi. Para o preconceito, para a violência, para a covardia, os rigores da lei e, se elas assim não o são, que lutemos por elas, como estão fazendo as cerca de cinco mil pessoas da Marcha Nacional contra Homofobia (que bem poderia ser Marcha Nacional a favor dos Homossexuais), hoje na Esplanada dos Ministérios.

Um ótimo prato é o resultado da combinação de diferentes ingredientes, de origens diversas do reino mineral, vegetal e animal, química entre doce e salgado, equilíbrio entre ácido e básico, entre textura e maciez, contraste de cores e aromas. Quem não tolera as diferenças deve comer muito mal, ou sempre igual, ou na total ignorância. Ignorância anoréxica pois aqui no Brasil as minorias são outras hoje. De acordo com o IBGE os negros são a maioria da população e, com certeza, no próximo censo, os homossexuais irão aparecer em pé de igualdade, em termos numéricos, com os héteros, não porque não o sejam agora, mas simplesmente muitos mais irão assumir sem o medo destes preconceitos tacanhos que a natureza humana há de extirpar.

Não gosto destes grupelhos radicais, com ideais cavernosos - um paradoxo chamar isso de ideal - que covardemente atacam indivíduos em menor número, seja a pretexto do que for. O que eles querem mesmo é "media", não identificá-los por grupos que se dizem representar, mas por indivíduos perturbados ou quadrilha, já frusta o momento fúnebre de celebridade que buscam. E que arquem, com a idiotice ou tragédia que causarem, longe da convivência humana. Qualquer violência tem que ser punida, prevenida, mas combatê-la é apagar fogo com inflamável.

Eu seria muito incoerente se alimentasse qualquer preconceito. Apesar do sobrenome "oriundi" de pai e mãe, meu parentesco mais próximo é o avô materno que apenas nasceu na Itália e veio para o Brasil com 4 meses. Minha avó materna era filha de uma mulata, com todos os traços e cores que resultam desta temperada mistura que encantou o pai da minha mãe. Lamento ter herdado apenas o cabelo crespo, gostaria de um pouco mais de melanina nesta pele, para não parecer um crustáceo quando ouso tomar sol. Mas o mais importante é que descobri, há algum tempo, que tenho uma deficiência genética no sangue cuja origem é Itálica e Mediterrânea. Apesar do nome nobre e gastronômico, ela não me faz mal, apenas me torna incapaz de doar hemoglobina. O que isto significa? Que a parte boa do meu sangue tem origem africana. E viva o colorido da vida...

edman izipetto
18/05/2011


"O mundo não é totalmente governado pela lógica: a própria vida envolve certa espécie de violência, e a nós nos compete escolher o caminho da violência menor.” Gandhi