sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Diálogos


-         Alô! Posso falar com fulano?
-         Desculpe-me, ele não está na sala...
-         Deixe um recado, por favor?
-         Estou sem papel e caneta para anotar...
-         De memória você não lembra?
-         Lembrar do quê?
-         Do recado!
-         Qual recado?
-         O que eu vou deixar
-         Como vou lembrar se você ainda não falou...
-         Mas você vai lembrar de dizer?
-         Não sei, posso lembrar do recado e esquecer do que dizer ou esquecer do recado, mas dizer que não lembrei...
-         Você atende todo assim desse jeito?
-         Não sei, não lembro...
-         Posso falar com seu superior?
-         Aqui ninguém é “superiô” a ninguém, todo mundo é “bróderr”
-         E seu chefe, posso falar com ele?
-         Só com hora marcada, ele é bem meticuloso...
-         Tem alguém aí com competência o suficiente para anotar um recado?
-         A secretária do patrão, mas ela não está na sala...
-         Quem está aí? Ninguém trabalha neste lugar?
-         Eu estou...
-         E o que você faz?
-         Anoto recados...
-         Então imagino como é esta empresa
-         Você não faz nem idéia
-         Como faço para deixar recado para o fulano?
-         Ligue lá pelas 10 horas da manhã que ele mesmo vai lhe atender, depois da meia noite, estranhamente, não costuma ficar ninguém por aqui...
-         Mas é que até amanhã eu vou esquecer o que eu tinha para falar...


Edman
19/12/08

Não deixe para amanhã o que você pode adiar hoje... principalmente se não for importante...
Feliz Natal e um ótimo 2009

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Seca sem lei

            O céu paulistano é um cozido de sexta-feira: restos da semana em suspensão num ambiente propício a fervilhar. Não chove há quarenta dias e o vento há muito que não assobia por estes lados, preferindo passar com seu hálito antártico sobre o mar. Parece que ambos, chuva e vento, saíram de férias em julho para o Caribe. Uma camada de pó e fuligem adentra a todos os buracos, anatômicos ou atônitos, deixando o horizonte cada vez mais distante e a respiração cada vez mais hesitante.
            A inversão térmica – noites frias com dias quentes – solidifica uma aura cinza-alaranjada entre a terra e a camada de ar respirável, que entope todos os poros, desde os mais cuidados até os mais abandonados, grafitando toda superfície que ouse deslocar-se nesta bruma de civilização. Os aviões rasgam o ar, literalmente, para pousar e decolar por estas bandas. Má sorte aos urubus, impedidos de utilizarem o apurado olfato pela profusão de cheiros “apetitosos” e sem teto para planar, reviram os sacos de lixo competindo com cães, gatos e mendigos. A expressão “chamar urubu de meu louro” já é realidade entre os moradores de rua.
            A água evapora rapidamente e deixa em estado de concentração os detritos que navegam pelo Tietê e Pinheiros, fermentando os cheiros de toda região metropolitana, pois tudo o que é feito nas privadas, na calada – ou não – e fétida intimidade sanitária, termina por se revelar, anônima, em um desses rios caudalosos e moribundos. O ar é sólido e os odores sórdidos... Indiferentes à solidez do que se respira, pessoas continuam a fumar e a alimentar esta esponja de detritos, mas os sinais de fumaça permanecem um longo tempo ao redor de quem as produz, como um destaque de caneta marca-texto, sem ter para onde ir até se integrar totalmente ao “habitat secosistema”.
            A maioria das árvores ainda está nua neste inverno do fim dos tempos, por aqui e ali se encontram ipês rosa, terminando sua floração, e os amarelos, segurando seu parto normal à espera de uma cesariana de chuva. Patas-de-vaca resistem aos pontapés do aquecimento global e os bicos-de-papagaio, sem alarde, colocam tons fortes a este impressionismo de espigões espetados em algodão sujo. São Paulo, vista de longe, é uma grande maquete envolta em gelo seco e iluminada de reflexos de cobre.
            Os índices de umidade relativa do ar quebram recordes negativos e nada se faz. Não se restringem automóveis, pedestres, animais. A imprensa divulga receitas, manuais e alertas, mas a vida – ou o que se entende por ela – continua repetindo seus vícios para contribuir na piora da qualidade de sobrevida. Uma cidade situada entre a Serra do Mar e da Mantiqueira não pode ter esta secura toda. A terra da garoa virou terra das partículas em suspensão.
Edman Izipetto
05/08/2008

Obs.: a presença de enxofre no diesel, na Europa e EUA, é de 10 para um milhão. Na região metropolitana de São Paulo é de 200 e no restante do país 2.000. Uma lei aprovada há seis anos obriga montadoras e Petrobrás, a partir de 2009, a baixarem este enxofre para 50 e até agora, faltando menos de 4 meses para entrar em vigor, nada foi feito. Está provado que este enxofre é letal (ou por que na sede das montadoras desenvolveram tecnologia para não precisar ter tanto enxofre?): cada vez que você passa nos congestionamentos com veículos à diesel ao seu lado você está respirando este enxofre e abreviando tua vida (informações ouvidas na rádio CBN, programa do Heródoto Barbeiro).

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Como se fosse a primeira vez

            Mais uma data para alegria, e muito amor, das operadoras de cartão. O que fazer neste dia massificado, “merchandising”, bateria de corações pulsando nas telinhas, telonas, folder, jingles e... Afinal, apenas para materializar o sentimento por meio de um presente. Mas um amor não se conquista todo dia? Com estratégia, com carinho, com paixão, com persistência. Mas vá esquecer de algo neste dia e, pronto, já era...
            Presentear, paparicar, agradar e esquecer rusgas, deixar a força vital fluir e olhar apaixonadamente como se fosse a primeira vez. Está aí algo bem simples para nossa complexidade de complexos contaminar e comprometer a delicadeza de um simples e sincero carinho.
            Está certo, aos afortunados, se chegar com uma Ferrari de presente, creio que até o cartão seja dispensável – em alguns casos tua própria companhia – o presente em si, pelo valor e pelo ícone, diz tudo. O manjado buquê de flores, estas cada vez mais transgênicas e virtuais, dependendo de como você o dará e acompanhado de algo que sua paixão queira ou goste, marcará o dia. Mas não vá com lembrancinha que o risco de não ter o que comemorar será grande...
            O compromisso social neste dia é intenso: cesta de café da manhã, talvez um almoço informal em horário esticado, correio eletrônico ou torpedos, por toda a tarde, com todas as breguices românticas e ridículas que só apaixonados se permitem fazer, jantar à luz de velas, um vinho que agrade ao par, comidas exóticas e afrodisíacas, som de fundo, bem de fundo, que desperte a serpente kundalini para queimar todas as calorias, iguarias e fantasias.
            Véspera de Santo Antônio, dia de muitas mandingas e simpatias para quem está sozinho – como se isso fosse um castigo – e de visitar uma quermesse para combinar pinhão com quentão. A Lua estará crescendo no céu, a temperatura estará convidativa para o abraço, o amasso, o contato. Os perigosos balões irão riscar o noturno teto de pegadas de arandelas, apontando para onde os ventos sopram e deixando muitas sombras para os beijos furtivos.
            Todas as receitas foram dadas pela mídia, do patê de foiagras ao tagliatelle com toques picantes e ervas aromáticas, da carne macerada em aceto balsâmico ao fundo de alcachofras com trufas, do mascarpone com geléia de amora aos damascos salpicados de cacau e noz moscada, você foi intoxicado pela quantidade de menus que lhe caíram ao colo, no fígado e no bolso, que até perdeu o apetite e, num ato de sabedoria, desistiu do restaurante, das filas, das discussões dos outros casais, da perda de tempo com rituais banais e marcados para o mesmo momento.
            Encontre seu par antes de tudo, chegue meio tímido, mas decidido. Faça-lhe um carinho no rosto como se estivesse afastando os cabelos da face. Olhe bem profundamente nos seus olhos até que a tua imagem esteja tatuada na retina dele. Não importa há quanto tempo o conheça, pergunte se quer te namorar porque você o ama e que a vida não teria graça, não haveria o que comemorar, se não pudesse compartilhar este olhar. E lhe beije, como se fosse a primeira vez, sempre. Tudo o mais será acessório apenas, tudo o mais...Desde que não esqueça de lembrar...

Edman Izipetto, ótimo dia para namorar...
12/06/08

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Você faz parte

            Datas são marcos, umas pessoas dão importância, outras ignoram, muitas esquecem e a grande maioria comemora sem saber o porquê. Mas dia do Meio Ambiente é sério, muito mais que calendário, afinal onde é que vivemos?
            Você já parou para pensar o que faz com a água? Nós a represamos na nascente, a batizamos com cloro e outros ingredientes e a devolvemos completamente suja, de gorduras, detergentes, urina e coco. A água, que antes percorria limpa o rio, agora é agregada de “humanidade”, engrossada de dejetos e falta de oxigênio. Nós temos que viver, não vivemos sem a água, mas fazemos de tudo para que ela se esgote no esgoto da imprudência. Já li isso alguma vez, não é meu, mas é apropriado: ninguém deixa a torneira da mais fina Champagne aberta enquanto entorna a taça, faça isso com a água que você usa.
            E nossos lixos, como é difícil reciclar. Há tantos contratempos que às vezes é melhor jogar tudo junto mesmo. O papel assim pode o assado não, o plástico de fundo tal serve o outro não, latinhas amassadas, plásticos lavados e sem rótulo, retira as tampas de metal. Qual é? Assim que ninguém vai reciclar mesmo... Por que o alumínio deu certo? Porque é simples, pisa e pronto, separa e tem sempre alguém recolhendo. Que tenha especialistas ou mão de obra para separar o papel, os plásticos, os vidros, e que ganhem com isso. Até hoje não sei se aqueles sacos de salgadinhos, metalizados e engordurados, podem ser colocados em plásticos, metal ou orgânico (e todo dia tem um na entrada da minha casa, largado por um futuro obeso ou hipertenso).
            E sua área verde, você cuida dela? Você deixou algum lugar para a terra respirar onde mora? Você já plantou uma árvore hoje?
            Mais do que distribuir mudinhas, e isso é didático e importante também, precisamos preservar as já existentes. Uma árvore viva na grande São Paulo é uma guerreira, uma linhagem especial da espécie, e merece ser reverenciada. Alguém resolveu plantar árvores frutíferas há 30 anos e os pássaros voltaram. Quem sabe a garoa também volte se plantarmos agora a flora nativa da Mata Atlântica que cobria os morros por aqui. Quem sabe não trazemos de volta a cor azul cobalto do horizonte em substituição ao laranja mercúrio de hoje. Quem sabe nossos rostos fiquem menos sujos de pó preto. Quem sabe não tenhamos um ambiente inteiro para viver se cada metro quadrado disponível tiver uma planta respirando.
            O que você fez hoje pela sua Terra?

Edman Izipetto
05/06/08

terça-feira, 29 de abril de 2008

Tarde de Domingo

No céu paulistano a cor azul foi possível graças às “monções” de outono, varrendo o cinza e a poeira para outras dimensões. Um domingo atípico, onde o futebol, longe, é de apenas um time, a virada cultural levou de roldão outro tanto de interesse e muito, mas muito mesmo, das lentes curiosas estavam na RCC (reconstituição da cena do crime). No mais, béloo, o dia tava lindo...
Domingo este entre dois feriados, a turma se segura para desforrar-se com mais vagar. E o sol a pino, tinge de manchas verde-limão as mesinhas nas calçadas, entre cervejas e petiscos, os palmeirenses se preparam para uma decisão que não acontece há mais de 10 anos. Jogo no interior, resta os telões ou as tvs dos botecos para assistir com um arremedo de torcida. De aperitivo tem fórmula 1, Massa em segundo na tela, mas em primeiro nas mesas da torcida de descendentes de italianos, afinal a Ferrari é terra nostra...
E a overdose cultural, varando a noite como manda a  boemia, auxiliada pela estiagem e a bela noite de lua minguando, manteve as cabeças pensantes ocupadas e ocupou as cabeças vazias, ou bolsos parcos, com shows, exposições, demonstrações e pitadas de campanha eleitoral sem custos diretos, mas que já foram antecipadamente pagos pelos nossos IPTUs, IPVAs, IRs, ICMSs, e muitos “is” afiados na pedra de amolar quem produz. Ótimo seria que todos pudessem pagar pela arte e escolher o que querem ver, sem essa pantagruélica maneira de enfiar goela abaixo o que foi escolhido por terceiros...
Leio no dia seguinte “que poucos curiosos estiveram acompanhando os trabalhos da polícia... talvez pela ausência do casal...” Alimentemos a máquina devoradora de assuntos, ibope (pesquisa aponta que 98% de alguma coisa acompanham o caso). Alguém já vendeu os direitos autorais? Em que pese a tragédia, é uma bela história (mas beleza e tragédia têm parceria genética). É um caso que está tão óbvio que pode não ser verdade, pelo menos será nisso que os advogados de defesa irão se pautar: tudo não passa de indícios e provas testemunhais...
Nas colinas do Pacaembu a claridade é filtrada pelos vitrais da Faap, gerações de artistas traçam suas assinaturas pelo antigo e pelo novo, entre a tapeçaria marroquina e a arte interativa quântica, entre as jóias das morenas do norte da África e as areias tingidas do Tibet, entre os escritos minúsculos do Alcorão e a poesia que se projeta na parede e vira fumaça, pela beleza exótica e pra lá de Marrakesh e a tecnologia reinventada do caleidoscópio. A arte nasce nos bancos escolares e cresce, fermenta e alimenta como pão saindo das fornadas sob diversas formas e receitas.
Para quem soube aproveitar este domingo, com o que a natureza proporcionou, percebeu um azul pouco visto por aqui, ou um canto de pássaro pouco notado, ou até mesmo a brisa fresca em meio ao calor de verão da tarde. Agradeceu quando a temperatura baixou, tão longo o horizonte tornou-se laranja salpicando-se de pontinhos brilhantes e tingindo de cobre as nuvens que, por entender a cidade, passaram com a pressa da eminente segunda-feira.


Edman Izipetto
29/04/08

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Nos trilhos

            O trem subterrâneo tem no comando uma mulher, que deixou o almoço de domingo, (talvez filhos, netos, marido) as louças de visita e as conversas ao pé das xícaras e pires, para pilotar o elétrico de lá para cá dos paulistanos, vestidos “para a oração dominical”, ou até na pouca indumentária, caprichados do pisante ao gel porque hoje é domingo e o melhor meio de chegar em algum lugar é de metrô.
            Nossos ancestrais se apresentam, representados por um belo casal de negros, fortes, legítimos, coloridos, como que saídos dos confins do Congo ou de alguma aldeia das savanas. Com três filhos lindos, dois garotos dividindo uma bola e uma menina de chiquinhas, assumidos na negritude da alegria de andar livre com suas sandálias, bermudas e, na minha imaginação, lanças e estandartes da família real africana.
            No fundo do trem vazio um rapaz solitário arrisca umas notas. Tem nas mãos uma rosa vermelha, protegida por um cacho de pequenas flores amarelas, envoltas em filme transparente. Um buquê simples, humilde, mas ele ensaia algo com se estivesse decorando uma fala que está escrita em papel amassado. Tem o olhar meio perdido, algo embriagado, como se suas palavras cambaleassem pelo vagão em solavancos imaginários. Estaria de encontro à amada para pedir desculpas? Seu nervosismo sugere que, se não for o primeiro encontro, pode ser o último, mas há uma rosa na mão de “José” e ele se encontra só no fundo do trem outrora vazio. Antes de sair lança-nos um olhar de soslaio, que comentávamos sobre a figura, como se tivesse descoberto que o descobrimos. Ou usou nossa imagem de apaixonados para se inspirar na serenata futura...
            Ele sai por um lado, entra de outro uma jovem vestida de preto, carregando uma bexiga branca como a um mascote. Olhar perdido, pisa em meus pés e pede desculpas, o único momento de lucidez após sentar-se, largar-se e deixar o olhar a escorregar em caminhos pelas rachaduras do túnel, sem entrever o trilho paralelo e as estações seguintes. Os olhos como se lhe escapassem do osso orbital, inchasse e tomasse dimensões gigantescas do imaginário de voar cego, sem instrumentos, sem ipod, sem celular, é uma adolescente alienada das necessidades modernas.
No contraste entra outra jovem de preto, vestida para uma noite de deleites com roupas de dançarina noturna, falando alto, no salto agulha alto, pernas longas e sedentariamente gordas, meia-calça preta vazada e shorts curtos, tudo preto e cabelos tingidos de loiro, de uma cor berrante, acrílica e acidificante, surreal no derretimento dos poucos costumes que ainda resistem, seu destino não é o dos cânticos gospels ou gregorianos, nem mantras ou “taichis”, mas funk batidão da “peri”...
            A “motorneira” segue anunciando a próxima estação, o vagão continua a se ocupar enquanto um atrapalhado mochileiro tenta equilibrar suas coisas, colchonete, sleep bag, mala e um porta espada... Porta espada?!!! A cena hilária de arrumar uma coisa e cair outra só é interrompida pela voz da maquinista. Há sinais de luta na figura do rapaz, marcas de pancadas nos braços nus. Na etiqueta da mala uma cidade do Rio de Janeiro e no que parece uma espada de samurai as inscrições KIR e anagramas orientais.
            Finalmente um lugar vaga, ao meu lado, e ele consegue adestrar suas coisas junto ao corpo. Há alguns garotos vestidos de quimono azul e deduzo que é algum grupo de luta ou arte marcial, ele deve ser o mestre ou carregador mor (ou san?), pois nenhum dos garotos carrega tanta coisa além da própria bagagem. O fluminense, com sotaque, explica o significado da sigla – que eu não anotei e esqueci – e confirma minha suspeita de arte marcial. Na verdade é uma demonstração com espadas e uma simulação de luta com varas de bambu, o que justificava as marcas no rapaz.
            Em frente ao meu lugar uma conversa rola solta a algumas estações. Um senhor de faces sofridas vai desfiando uma história, sua própria história, e uma jovem o escuta atentamente (uma mulher ouvindo um homem, cada coisa estranha acontece neste trem...). Não ouço o conteúdo da conversa, mas a jovem, ao desembarcar, deixa uma nota de R$10,00 ao contador. Era um bom contador...

Edman Izipetto
03/04/08

terça-feira, 25 de março de 2008

Rush sniff

            A minha querida São Paulo está se candidatando às Olimpíadas. Dia após dia, recordes de congestionamento são quebrados. Numa medição que leva em conta, no máximo, 20% das vias existentes, vamos bater os 200 km logo logo.O vilão somos nós, motoristas solitários que não ousamos utilizar dos moderníssimos sistemas de transporte público que nos é oferecido. Preferimos ficar duas horas no volante ao invés de quatro em pontos e terminais de ônibus, trens, metrôs e alternativos.
            Mas o trânsito não é pior do que as medidas que nossa prefeitura diz tomar. Hoje a novidade é a ampliação de rodízio e nova linha de metrô. Ampliação de rodízio é, na verdade, mais tempo para multar e nova linha do metrô é uma piada de mau gosto. Linha de metrô é obrigação numa cidade como São Paulo, não uma medida emergencial. Metro é resultado de planos de longo prazo e o trânsito precisa ser resolvido já...
            Rodízio para valer é no dia todo e na grande São Paulo, sem essa de centro expandido. O carro é para ficar na garagem e pronto. Vai ter reclamação, mas se acostuma. Estamos no outono mesmo e o ar vai ficar menos ruim.
            Não é possível que os caminhões continuem atravessando a cidade sem nenhuma restrição. Nas estradas, que foram feitas para todo tipo de veículo, há proibição em feriados e domingos, como isto ainda não foi feito no anel viário paulistano, com inúmeros semáforos? Nada contra caminhões, transportam mercadorias, trabalho, negócios, mas estamos numa situação emergencial e eles podem circular à noite.
            Apenas um gênio acostumado a ser levado no banco dos passageiros iria sugerir a avenida 23 de maio como alternativa, ou a Rua da Consolação. Rota alternativa somos nós, motoristas, que criamos, e ela está fora das medidas oficiais.
Nesta linha de anúncios eu também tenho uma sugestão: Não saia de casa ao trabalho no horário que você tem que sair, nem volte para casa na hora que você sai do trabalho. Não marque compromissos entre as 7 da manhã e às 21 horas. Seja um boêmio...
Edman Izipetto
25/03/2008

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Olá Jovem Senhora

A cidade está diferente, melancólica e revivendo seus tempos de debutante das grandes metrópoles. Em pleno verão resgatou sua marca registrada: a garoa fria que não molha, mas encharca de carinho, deixando visíveis os fachos de luz das luminárias, dos faróis, cobrindo de névoa as ruas - nunca vazias - repletas de solidão.
O Mercadão fica mais ocre, seus vitrais contagiam de especiarias e sabores de Babel todo o vale do Tamanduateí, nascedouro paulistano de bandeirantes a caminho das índias latinas e andinas, do alto Tietê. Na colina do Páteo sem colégio, a casa da Marquesa é um observatório das idas e vindas do Expresso Tiradentes, obra que se espelha “na feia fumaça que sobe apagando” os sombreiros dos chorões da beira do rio.
Mas nos sabores tem mais que especiarias: há frutos do mar, tão perto da gente mas cheio de curvas para chegar, tem a leveza do bairro oriental, a alegria das cantinas, o reinado das pizzarias e o cheiros das churrascarias. De todo o planeta um pouco, do curry ao prato criollo, do tantra ao picante mexicano, dá para viajar pelo mundo freqüentando restaurantes, bares e cafés.
No outro vale, do Anhangabaú, esconderam os autos, os fatos e todo qualquer resquício de várzea ou mato, numa grande área de concreto e pedras para cumprir castigo, ajoelhado no milho, no fubá, na pamonha e nas santas ervas dos camelôs, deixando ao canto o grande Theatro de fantasmas sem ópera ou árias sem discórdia, mas a preços populares com direito ao metrô.
Na terra do café o viaduto famoso é do Chá, talvez homenagem a algum árabe ou erva-mate, mas que não passa de uma ponte reta ligando dois centros, o velho e o novo que a cidade é grande e precisa de dois. Não bastassem estes, inventamos o centro expandido, área onde automóvel é bandido dependendo do jogo do bicho. Muitos centros e pouco cérebro, Sampa é a massa cinzenta mais colorida que existe...
Há cores em todos os redutos, içadas do solo pelo vão livre do Masp, guardadas em castelos como a Pinacoteca, espalhadas pelas praças e botecos, artes nômades pelos espaços do Ibirapuera, nas películas que se exibem nas salas de projeção ou nos desfiles de gostos e marcas dos shoppings centers.
Da hora certa do Mosteiro dos cantos gregorianos, a ponte de ferro fundido na terra da rainha, a fé de Santa Efigênia leva até a rua das sacoleiras, da eletricidade sem pólos aos softwares sem dolos, paraíso das quinquilharias, junto à rua de março e das outras datas festivas no formigueiro de gente que movimenta, sem economia, a formalidade da vida.
Há 454 anos tudo começava numa pequena parada, talvez para comprar biscoito de polvilho, comer uma coalhada ou simplesmente uma “aliviada”, mas ficou assim fertilizada a semente. Hoje a cidade cerca-se de recifes de corais, favelas que se multiplicam sobre elas mesmas deixando a capital num atol de soluções sem ondas e escondida pelas sombras de negócios especulativos.
A garoa em pleno janeiro veio para apagar seu inferno astral. Ela quer comemorar seu aniversário sob o manto do cuidado, da carícia, como um cobertor de lã doado. Ela quer velas acesas e um pedaço de bolo para cada paulistano, seja ele italiano, japonês, nordestino, camponês, boliviano, americano, com sotaque de rr ou de ss, mas com olhar de apaixonado pela esquina da São João com Ipiranga onde mexe o coração feito criança. Ela quer o repique dos sinos da Sé e o apito das tecelagens do Brás e da Maria Fumaça que estacionou, para sempre, na estação da Língua Portuguesa.
Te amo assim mesmo querida cidade, te amo por isso mesmo São Paulo.


Edman Izipetto
25/01/08

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Rush de Verão

            A idéia de que o mês de janeiro é tranqüilo é apenas uma lenda... Talvez para os afortunados que se beneficiam do recesso sim, mas a nós, mortais, é um período duplamente estressante.
            Primeiro que temos que começar a pagar as loucuras de dezembro. Sim, o Natal faz isso com a gente, deixa-nos com dívidas por uma noite de brindes. E lá vem o aviso do IPVA, que nos chega entre o Natal e o Reveillon, eu não abro que é para não azedar a maionese, e o carnê peso-pesado do IPTU, que entra ano sai ano, minha casa não cresce, não produz galhos nem puxadinhos, mas a prefeitura de minha cidade consegue as melhores explicações para justificar o porquê você tem que pagar o condomínio acima da inflação.
            E o que faz toda essa gente dentro dos carros, nesta fila insana e na mesma hora, tentando chegar no trabalho que deveria estar de folga. As obras de duplicação, abertas em meio as primeiras chuvas do verão, estão paralisadas. Há postes no meio do asfalto novo, coisa que tento entender, mas não explicar, e às obras nas duas laterais junta-se o piso castigado pelas águas e veículos pesados. Um caminhão expelindo fumaça pelas ventas e carregando pedras puxa a fila numa velocidade irritante. Não há como ultrapassar...
            Em não havendo as filas duplas das escolas, há os motoristas de férias, que trocam o frenesi do horário certo pela lerdeza de dirigir despreocupadamente, ousadamente de bermudas e sandálias de tira, livres da gravata mas de celular em riste, pilotando com apenas um dos membros seu possante e não se importando com a fila atrás e aos montes. Trafegam pela cidade com se estivessem à beira da praia, olhando a beleza dos bronzeados ou escutando ondas...
Edman Izipetto
10/01/2008