terça-feira, 5 de agosto de 2008

Seca sem lei

            O céu paulistano é um cozido de sexta-feira: restos da semana em suspensão num ambiente propício a fervilhar. Não chove há quarenta dias e o vento há muito que não assobia por estes lados, preferindo passar com seu hálito antártico sobre o mar. Parece que ambos, chuva e vento, saíram de férias em julho para o Caribe. Uma camada de pó e fuligem adentra a todos os buracos, anatômicos ou atônitos, deixando o horizonte cada vez mais distante e a respiração cada vez mais hesitante.
            A inversão térmica – noites frias com dias quentes – solidifica uma aura cinza-alaranjada entre a terra e a camada de ar respirável, que entope todos os poros, desde os mais cuidados até os mais abandonados, grafitando toda superfície que ouse deslocar-se nesta bruma de civilização. Os aviões rasgam o ar, literalmente, para pousar e decolar por estas bandas. Má sorte aos urubus, impedidos de utilizarem o apurado olfato pela profusão de cheiros “apetitosos” e sem teto para planar, reviram os sacos de lixo competindo com cães, gatos e mendigos. A expressão “chamar urubu de meu louro” já é realidade entre os moradores de rua.
            A água evapora rapidamente e deixa em estado de concentração os detritos que navegam pelo Tietê e Pinheiros, fermentando os cheiros de toda região metropolitana, pois tudo o que é feito nas privadas, na calada – ou não – e fétida intimidade sanitária, termina por se revelar, anônima, em um desses rios caudalosos e moribundos. O ar é sólido e os odores sórdidos... Indiferentes à solidez do que se respira, pessoas continuam a fumar e a alimentar esta esponja de detritos, mas os sinais de fumaça permanecem um longo tempo ao redor de quem as produz, como um destaque de caneta marca-texto, sem ter para onde ir até se integrar totalmente ao “habitat secosistema”.
            A maioria das árvores ainda está nua neste inverno do fim dos tempos, por aqui e ali se encontram ipês rosa, terminando sua floração, e os amarelos, segurando seu parto normal à espera de uma cesariana de chuva. Patas-de-vaca resistem aos pontapés do aquecimento global e os bicos-de-papagaio, sem alarde, colocam tons fortes a este impressionismo de espigões espetados em algodão sujo. São Paulo, vista de longe, é uma grande maquete envolta em gelo seco e iluminada de reflexos de cobre.
            Os índices de umidade relativa do ar quebram recordes negativos e nada se faz. Não se restringem automóveis, pedestres, animais. A imprensa divulga receitas, manuais e alertas, mas a vida – ou o que se entende por ela – continua repetindo seus vícios para contribuir na piora da qualidade de sobrevida. Uma cidade situada entre a Serra do Mar e da Mantiqueira não pode ter esta secura toda. A terra da garoa virou terra das partículas em suspensão.
Edman Izipetto
05/08/2008

Obs.: a presença de enxofre no diesel, na Europa e EUA, é de 10 para um milhão. Na região metropolitana de São Paulo é de 200 e no restante do país 2.000. Uma lei aprovada há seis anos obriga montadoras e Petrobrás, a partir de 2009, a baixarem este enxofre para 50 e até agora, faltando menos de 4 meses para entrar em vigor, nada foi feito. Está provado que este enxofre é letal (ou por que na sede das montadoras desenvolveram tecnologia para não precisar ter tanto enxofre?): cada vez que você passa nos congestionamentos com veículos à diesel ao seu lado você está respirando este enxofre e abreviando tua vida (informações ouvidas na rádio CBN, programa do Heródoto Barbeiro).