domingo, 30 de dezembro de 2012

O caramujo e o relógio


Uma orquídea resgatada do passeio público há um ano, pronta para virar lixo, com uma única folha, resolveu florir, cinco perfumadas flores brancas há cinco semanas intactas. Coloquei-a ao abrigo da chuva e do sol, onde a claridade e o ar não faltam. Após alguns dias, percebi um caramujo, desfilando seus rastros de prata sobre um broto de folha nova, já com algumas mastigadas. Instintivamente, dei-lhe um toque de bola de gude, antes que atingisse as flores. Não o vi mais.
Ele apareceu subindo pela parede e, não sei o porquê, eu o deixei nesta longa e sofrida caminhada para o alto, e avante. Ele estacionou num ponto e aí ficou, alheio a todos os fogos, todas as vitórias e derrotas, à rotação e intempéries, ao universo que para ele deve ser o nosso mundo, e a total ignorância do fim dos tempos ou não. Parece que observa da janela lateral, de seu trailer cinza, o passar das eras.
Bem na véspera do Natal, meu relógio de pêndulo resolveu parar, e ele teima em não continuar seu ritmo de badalar nas horas cheias e, mesmo com corda e impulsos que minhas mãos, sem muita paciência, teimam em lhe fornecer, ele vai diminuindo e para, empaca, não quer prosseguir. A vontade das engrenagens desafia a minha de ver este ano ficar no retrovisor.
Fico sentado na escada, entre o caramujo e o relógio, todos parados no tempo. Um ser vivo, muito mais próximo da origem da vida do que eu, que simplesmente “escolheu” um lugar para ficar, o outro – apenas dentes e inércia – esperando o impulso para lhe dar um sentido. Um relógio parado é surreal...
Eu na escada da vida, entre estas frestas paradas, à espera de um sopro de movimento, coloco minha mão sob o queixo, somos três inertes entre a subida e o retorno, entre colunas que dançam com as sombras num tango vienense, numa salsa irlandesa, num samba blue sem rimas óbvias ou sucesso no youtube.
Acerto a trigonometria do relógio, devolvo o molusco à natureza, intacto, e subo as escadas para um ano diferente, nem mais novo nem tão experiente, mas com 365 poentes. A surpresa já é bem melhor que a rotina, seja ela qual for.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Final de Ano


E o mundo não acabou embora, cientificamente, ele morra um pouco a cada dia. Nós estamos no meio da existência, por volta de 4,5 bilhões de anos. A humanidade, no sentido biológico, não ético, está há 5 mil anos (A terra não precisou muito de nós para evoluir...). Como dizem as pesquisas, com erro de alguns milênios para mais ou para menos. E o Natal, teoricamente, há 2012 anos. Mas é menos que isto, pois começou na era industrial para incentivar o consumo. Não calculei estatísticas, mas acho que é uma fração de segundos esta importância toda.
Nascimento de Jesus? Há controvérsias, mas se hoje há nascimentos que ainda se perdem nas datas, o que dirá há dois mil anos...O que vale é o ritual, reencontro com os seus, os meus e os nossos. Mas até hoje não me explicaram porque a morte dele é no calendário lunar – numa trilogia – e o nascimento no solar – num curta. As explicações costumam ser num minuto.
Já que a Terra não parou, o negócio é enfiar o pé na jaca, pois é isto que vai acontecer entre o Natal e o Réveillon. Comes e bebes, presentes, sorrisos amarelos ou sinceros, chás de camolila e hortelã, e a destilaria dos comentários que encontros assim fermentam sem catalizar... Não adianta, onde estiverem duas pessoas, uma terceira estará com a orelha ardendo.
A propósito, meu menu deste ano é a maionese caseira da mamma, risoto à moda de milão e codornas vestidas para matar (os dois últimos sob minhas panelas e caçarolas). Uma ceia à La Babeth, com enredo Felinniano e trilha sonora de Morricone. Comer, orar e amar (reza para mim é coisa de religião, orar é o mais próximo que chegamos da essência).
Não vou desejar nada, mesmo porque iria parecer que estou apenas devolvendo gentilezas (já que demorei a sair da toca). Quem me conhece sabe que quero a alegria de todos, pois adoro uma festa, principalmente à mesa. Festeggiare con allegria.
Enquanto escrevo, o brodo de carne, a base do risoto, curte sua temperatura liberando os perfumes do bouquet garni numa ordem de cheiros instigantes.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Outono das caminhadas

O dia mal ilumina e o senhor arranca-se da cama, arrebentando as linhas imaginárias tecidas durante a noite de sonhos adolescentes e limpando o suor da preguiça que cobre e salga de névoas a sua visão já debilitada. O cajado o espera na cabeceira - extensão dos seus horizontes já visitados - tremulando nas calejadas mãos cujo tempo marcou de vincas e manchas escuras.
A fumaça do café é um eterno “flash back”, remoçando suas vontades, despertando de vez a sedução noturna do sono eterno. A caminhada até o portão é o percorrer das estações, numa roleta russa sem saber qual delas vai abrir. O ferro range, emperra e reclama, não se sabe para espantar ou atrair, mas dá a idéia de uma abertura mais pesada do que a real.
A bengala é a primeira a sair da morada, em busca do pão de cada dia, a caminhada é um sinal de vida, embora nos mesmos lugares, os cenários vão se renovando com a experiência que seus ralos cabelos brancos teimam em revelar. O corpo esguio se curva ao peso das histórias, e cada passo é um folhear de livros de capa dura e páginas amareladas de tanto manuseio, ou esquecidas em prateleiras.
Os sapatos de bico fino com solado de couro competem com o surdo e contínuo eco da bengala, numa cadência de ruídos a 78 RPM no passeio público. É um gramofone quem cumprimenta conhecidos sem lembrança e desconhecidos rotineiros, ambos deixando dúvidas insanas numa memória já transbordando de reminiscências. Há passos de bailes lembrados em câimbras, alongados aqui e ali.
O idoso resmunga e ri, com a velocidade e sabedoria que a distância entre estas manifestações é a de uma moeda. Surfa no seu vinil, ondulando e cortando riscos, pois o caminho das pedras é seu GPS, embora ao seu redor pareça mais um lunático cambaleante e dependente.
Na metade do percurso as brumas caem, tirando as cores das referências, os sons do radar, iludindo as visões jovens a aguçadas. As calçadas e suas armadilhas não o surpreendem mais, nem assustam. Ele segue no seu tato e, dentro do seu trato, se desfaz no horizonte em busca de outra estação.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O Humor generoso e verde de Chico

Hoje as piadas terão risos contidos. Ou talvez escrachadas gargalhadas. Não era intelectual, mas inteligente. Humorista sem contar piadas, ator de vestir personagens criados à sua imagem e semelhança. Chico Anysio não só resgatou os humoristas órfãos do rádio como lançou novos a sua própria sorte.
E por todo este talento ganhou a geladeira da Globo. Não tinha programa na grade, e não podia tê-lo em nenhum outro canal. Fez bem Jô Soares, saiu da emissora para fazer valer seu programa, o de entrevistas, e voltou por cima. Chico prendeu-se a contratos e só não caiu no ostracismo por ter ajudado muita gente. Seu contrato vencia este ano. Mas sua saúde não resistiu. Comentou futebol, fez novela, peitou o Galvão e nunca deixou de ser Palmeirense, embora o noticiário pasteurizado da Rede Globo não vá lembrar deste detalhe, que ele próprio fez questão de ressaltar no Programa do Jô.
O Jornal Nacional está cada vez mais parecendo o Jornal do Divorciado: O Bonner sem seu partner, e a Poeta sem rima esperando a hora de poder mandar. Comeram barriga na caída do Teixeira (contratos exclusivos dão nisto: comprometem) e vão comprar briga com a torcida do Palmeiras: nunca desprezem um clube de colônia.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Copa do Mundo e outros chutes

A cidade de São Paulo será uma maravilha neste ano. Sabe por que? O Serra decidiu ser candidato à prefeitura. E o nosso último imperador, lógico, depois de namorar e implodir o PT, abriu a guarda para o mestre. Explico, aquela revista que quer que você veja, mas não leia, já tem seu candidato. E a emissora que quer que você assista, mas não pense, já tem seu candidato. Prova?
Hoje, a primeira notícia do pasteurizado telejornal, já foi preparando o paulistano para o pedágio. Pois se você comete o sacrilégio de comprar um automóvel, com todos os impostos embutidos que vêm junto, é para guardá-lo na garagem, como troféu, conquista de status, para usá-lo em feriado prolongado. Porque o Serra, que conseguiu impor o pedágio no Rodoanel, que era "incobrável", vai cobrar para você trabalhar diariamente. Não é praga nem profecia, vai acontecer.
Por que a cidade será uma maravilha este ano? A grande mídia terá seu candidato. Eu não sei se o outros serão melhores, acho até difícil, mas fico muito preocupado quando a grande imprensa decide quem deve ser. São Paulo não é uma Leblon qualquer para ser enredo de novela. Não fomos capital de nada e província de nada. Somos o que conquistamos.Somos Bandeirantes!
Principalmente pela diversidade, embora projetemos um conservadorismo maior, muito maior, que a Metrópole comporte. São Paulo é Brasil e muito além, é o voto do Brasil. O Estado de São de Paulo é conservador, mas Sampa não. Afinal, a semana de 22 foi aqui né!
Para ver as prioridades da atual prefeitura, o Carnaval recebeu 25 milhões, e os estudantes das municipais, até agora, não receberam o material escolar, nem uniforme, hoje é 09 de março. Até onde eu sei, Sampa não é a cidade do Samba...
Até agora ninguém me explicou porque uma cidade com o autódromo de Interlagos precisa fazer um circuito de rua para a fórmula Indy. Expliquem à Rede Globo e a prefeitura que o aceitou. Aliás, falando desta rede de televisão, porque deixam de transmitir um Santos x Internacional (aliás os dois já ganharam a libertadores) para transmitir "C" x Nacioanal. Perderam no Ibope para Boca x Fluminense, lógico, um jogo mais importante.
Apenas para registrar, hoje o Globo Esporte deu uma entrevista exclusiva com Adriano, que fizeram uma força para os C... registrar na Libertadores, e à tarde o técnico filósofo do time o afastou até mesmo de um jogo do Paulistinha. Esta história de cobrir levantamento de estaca no estádio já está enchendo o saco.
Chega de exclusividade, abra para todas as emissoras e as mais competentes que prevaleçam. Se o Ricardo Teixeira tem culpa no cartório, os contratos que ele assinou também estão sob júdice. Principalmente os de exclusividade.
E sabe porque me sinto à vontade para falar contra o Serra? Porque sou Palmeirense. Ele é a pior coisa que aconteceria no Palmeiras se resolvesse ser Presidente. É o retrocesso. É isso que você quer para São Paulo?
Sobre o quê o subsecretário da Fifa disse do Brasil, nada a comentar de um país que só sabe fazer vinho (e o faz bem feito). Mas quando tentou ser império, chafurdou na neve, e quando enfrentou uns machos, pediu guarida. História é história.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Reality Show. Reality?

Resolvi sair das minhas férias – na verdade estou estudando para concurso público – porque não dá para ficar alheio, com uma pseudo-polêmica, como se isto fosse a coisa mais importante da vida (afinal, estamos no último ano da humanidade, então, #+&@-*¨
            A falta de conhecimento de história é realmente inebriante. O principal conglomerado de comunicação do país só surgiu durante a época, e aqui não é um trocadilho, do regime militar. Enquanto outras sofriam incêndios, perseguições, ela cresceu e dominou as regras até então. Tanto que se deu ao luxo de só entrar nas diretas já quando não tinha mais jeito. Boicotou até o limite do ibope. Ela e um jornal centenário que se diz guardião da democracia.
            Mas quem nasce torto... tentou direcionar as eleições. Primeiro no estado em que é base, depois em nível nacional. Forçou a barra contra Leonel Brizola, e depois contra Lula. Ajudou a eleger Collor. Fez uma força para eleger o Serra. Isto está na história, basta ler os jornais da época, não estou inventando ou deturpando nada. Ainda hoje, privilegia dois times de futebol no país, basta ver as transmissões, no que deveria corrigir a denominação de jornalismo esportivo para marketing esportivo. Esquece que as maiores torcidas não somam a maioria.
            Uma coisa é a vulgaridade em histórias fictícias, outras em supostos reality shows. Confinar pessoas comuns com a promessa de um prêmio vultoso, liberar bebidas e esperar o quê? Hoje qualquer espirro sai no youtube, não poderia ser diferente. E é só por isso que um participante foi eliminado, fez barulho, causou protestos e houve intervenção da justiça. Ela, a empresa, teve que ceder.
            Uma implosão em São Paulo, ao custo de três milhões de reais, que não implodiu; uma obra do governo do estado de São Paulo que veio a baixo com uma morte; a constatação que nada foi feito com o dinheiro público na serra fluminense, após o maior desastre natural do país; a seca nas áreas mais produtivas no sul do país, sem respaldo; o escândalo da farra do dinheiro, sem fiscalização, no judiciário. Isto é importante. Se dois bêbados transaram ou não, realmente, não me diz respeito.
            Mesmo com o sorriso amarelo daquele que já foi um jornalista na vida, mas se submeteu e, além disto, escreveu um bibliografia puxando o saco do patrão, esquecendo todos os princípios históricos que nortearam a vida do empresário, e que servem de base para verdadeiros jornalistas. Não me interessam. Lamento ter que percorrer uma avenida, na minha cidade, com o nome dele. Há pessoas mais importantes e verdadeiras que merecem nomear um logradouro, ainda mais na massa cinzenta deste país.
            Lamento quem assiste ao “grande” jornal e lê a “grande” revista. Esta última, li pasmo o editorial de final de ano, quando o herdeiro mandatário, que só o é por herança, reclama que não basta à presidenta demitir ministros, mas consertar a máquina. E ele, que apenas afasta os últimos, a massa de trabalhadores que hoje não precisa mais de diplomas, e mantêm os mesmos antigos e caquéticos no topo do editorial (não dá para respeitar uma publicação que elegeu o Último Imperador como político do ano).