terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Ritual de passagem

Já passei o Reveillon na praia, na montanha, na casa dos amigos, de parentes, na minha, com a família, sem a família, mas acho que é a primeira vez que vou celebrar este ritual comigo mesmo, não vou passar sozinho, mas decidi algumas coisas, não promessas de mesa de boteco, que não pretendo, vou fazer. Uma delas é escrever que é a parte que me deixa mais feliz...
Brasil e Argentina na final da Copa aqui, onde o pessoal da cozinha vai ter que assistir de telões e tv, porque elitizaram o esporte mais popular do país. Neymar x Messi, um jogo para entrar para história, independente de quem ganhe (desde que seja o Brasil, claro), será A DECISÃO.
E a única sexta-feira 13 do ano será em junho, um dia após Brasil x Croacia. Queria ver EUA e Inglaterra jogando neste dia, eles adoram o 13... Sem dúvida o futebol vai dominar o país, o noticiário e os prós e contras até o meio do ano. Depois virá a ressaca, com vitória ou não, uma bela de uma ressaca.
Além do carnaval, que Sampa segue tentando fazer igual aos cariocas, vai ter um belo feriadão com Sexta da Paixão e 21 de abril na segunda seguinte. Às pessoas curtas de idéias e nascidas para carimbar papéis, mesmo que eles não existam mais, o País não para nos feriados, apenas os negócios mudam de foco, porque é o turismo quem fatura com isto, é o comércio, é a grana que circula e movimenta esta imbecilidade chamada de capitalismo.Mas o segundo semestre vai ser duro, nadinha, e ainda com propaganda eleitoral...
Novas amizades, amores, reencontros e despedidas, saudades que reaparecem, lembranças que vão repousar no fundo do lado do esquecimento. A vida é assim, e o grande barato dela é manter-se sereno, tanto nas euforias quanto nas depressões, ouvi isto de um conhecido, parece que é alguma sabedoria oriental, contada de maneira matemática. Eles devem mesmo ser sábios, o ano sempre começa lá primeiro, a esta hora que escrevo isto, eles já estão de ressaca, e o meu Pernil ao Mediterrâneo mal começou a liberar seus aromas inconfundíveis.

Que 2014 seja 100% melhor que 2013
Edman
31/12/2013

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Trégua geral, afinal é Natal

Talvez alguns passem ao largo de tudo isto, por alguma crença, por tristeza, momento, solidão ou até por falta de motivo mesmo. Mas sempre dão uma espiadinha. A generosidade anda solta por estes dias, como querendo compensar todo o ano de egocentrismo. Há um sorriso discreto, mesmo nesta busca desenfreada de consumo e glutonice, que deixa o ambiente mais leve, mais colorido, mais piscante.
E as desavenças, que até então pareciam inconciliáveis, resolvem-se num abraço, na troca de presentes, nos brindes de copos de requeijão às taças bohemias. Na farofa enriquecida de fofocas e picantes comentários, nas aves que não fugiram da degola e no salpicão, que aquele seu parente que só aparece uma vez por ano, faz questão e honra de deter tão secreta receita.
Após meio século de Natais, ufa, a melhor lembrança que guardo deles é descobrindo Sampa, pela primeira vez e antes do apelido, indo de ônibus do longínquo Jardim Maria Estela até a rodoviária, meus pais, irmãos e malas enormes onde cabiam toda a nossa alegria de passear, vislumbrado com todas aquelas luzes, a gritaria, a voz do megafone anunciando as partidas, sempre atrasadas pontualmente.
Certeza que haveria um sanduíche de pão de forma, com uma fatia de apresuntado e outra de queijo prato, uma fartura para nossas vidas periféricas, e ainda tínhamos direito a um gibi, para ler durante as deliciosas e intermináveis horas de viagem até Salto, onde nossos avós e o resto da família nos aguardavam com panetones caseiros e um festival de guloseimas que só casa de avó é capaz de ter e inventar. "Bença" vó. Não lembro de ceias, sempre dormíamos cedo, mas tinha alguém vestido de Papai Noel que entregava presentes, antes das novelas, transitando pelas ruas de paralelepípedos numa kombi enfeitada e transvestida de trenó. E tinha a mesa dos adultos, e a mesa das crianças, onde nos afogávamos de tubaína sob a vigilância severa dos pais, com medo que toda aquela água viesse a sair durante o sono nos colchões sinfônicos de palha seca.
Tudo simples, tudo inesquecível.
O espírito de Natal, na verdade, é a criança adormecida que trazemos dentro de nós e vê, nesta época, o portão semi-aberto e escapa, vai solta traquinar e brincar de ser humano, sem diferenças, sem preconceitos, na inocência de que pode haver um mundo mais justo, do tamanho do quintal dos avós, onde as fantasias sobem nas mangueiras e cajueiros, as galinhas botam ovos de verdade e as cercas, de bambus cortados ao meio, permitem que se espione os brinquedos vizinhos.
"Há um menino, há um muleque,
Morando sempre no meu coração,
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão"

Feliz Natal a todos
Música tema, Bola de Meia, Bola de Gude
Edman
25/12/2013

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sob a garoa paulistana



Antes da civilidade, São Paulo era uma bacia hidrográfica protegida a leste pela Serra do Mar, e suas quaresmeiras, e a oeste pela Mantiqueira e os resquícios de araucárias. A peculiaridade de nascentes bem próximas ao litoral correndo para o interior ajudou na sua conquista. As corredeiras do Tamanduateí eram a via expressa de quem subia do litoral até o porto de Piratininga, parada obrigatória antes da viagem para os sertões. Muitas fogueiras foram acesas onde hoje o majestoso Mercadão distribui seus quitutes.
Das elevações secundárias, o maciço da Paulista dividia as chuvas entre o vale do Pinheiros e o do Anhangabaú. O sinuoso Pinheiros inundava toda várzea de seu nervoso trajeto formando um alagadiço em meio à Mata Atlântica, criadouro natural de peixes e o “ceagesp” dos animais de caça. O Anhangabaú, por sua vez, escorregava transparente entre pedras, escavando e separando o centro velho do centro novo, dois platôs repletos de ipês, jacarandás e manacás históricos.
Todos os rios, riachos, córregos e olhos d’água declinam para o Tietê. Os Bandeirantes usaram este rio para aumentar as fronteiras do então novo “continente”, na fúria cega de ouro, pedras preciosas e captura de indígenas. Os jesuítas os catequizavam e ambos, religiosos e exploradores, dizimaram os nativos à sua maneira, ensinando latim e espalhando sífilis numa guerra de bacamartes contra flechas.
Neste ambiente úmido, repleto de mosquitos, a névoa era tão densa que se precipitava na forma de garoa, presente o ano todo, independente da estação. As trilhas foram pavimentadas, as mulas trocadas por veículos – embora existam mulas conduzindo veículos – e o trem ajudou a temperar as palavras com fumaça e dialetos, ligando o porto de Santos à Luz.
A cidade foi crescendo às margens das águas, de costas para o mar, subindo as encostas e terraplanando a idéia de paraíso, como um grande porto a desembarcar os sonhos de migrantes e imigrantes. Das buchadas à macarronada, das esfihas aos sushis, da fruta pão às baguetes, a capital da pizza está encharcada de sabor e história que o grande rio insiste em levar para o Oeste.
Hoje muitos destes cursos d’água estão escondidos, talvez envergonhados pelas suas entranhas à mostra, saturados da diarréia insana do consumo e das palafitas feitas de cimento e descaso, que roubaram a ciliaridade de suas margens como placas de colesterol e trigliceris. Os rios de Sampa são sua artéria, as veias as avenidas. Tudo está entupido. Não há mais bandeirantes, mas a caça continua entre tribos de balas perdidas e suas pedras escuras cheias de loucura. Não há mais jesuítas, mas os “sacerdotes” de hoje, que não falam latim, continuam a querer catequizar e vender indulgências. A garoa de hoje é apenas a poeira tóxica da inversão térmica.

Sampa merece um futuro melhor.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade terá sido mera (ou quimera) coincidência.
Edman Izipetto
25/01/2013