quarta-feira, 31 de março de 2004

Quarentena

         Todas as guerras são estúpidas. Todas as revoluções que levam às guerras são irresponsáveis.
         Há quarenta anos alguns covardes, aproveitando-se do uniforme, das armas, do financiamento externo e da hipocrisia da classe média, decidiram que era hora da travessia no deserto. Decidiram pela quaresma da liberdade de manifestação, pelo jejum do conhecimento, pela disciplina de regras talhadas em pedra-sabão. Eram falsos profetas, no entanto. Não pretendiam transformar tribos desunidas em uma nação, mas enriquecer seu próprio clã.
         Em nome de uma pátria vingadora, qualquer atitude que, no julgamento deles, representasse o exercício humano do pensamento, era digno de repressão, punição e sumiço. Uma geração inteira foi ceifada apenas por discordar. Primeiro a violência física, a mais rápida nos resultados, mas a que deixa mais registros, a que incita resistências e, portanto a mais lembrada. Quantas cabeças brilhantes, quantos gênios, não teriam tornado este país melhor se não fossem simplesmente eliminadas ou destituídas de sua condição humana? Hoje os sobreviventes contam suas histórias, alguns até viram presidentes e usam a idade média tupiniquim como parte de um currículo brilhante. Não aprenderam nada. Mas a maioria não sobreviveu ao cárcere, às torturas ou ao desaparecimento de alguém querido. A estes nada irá devolver o atraso de vida.
         Mas o que de mais sério estes senhores dos quartéis fizeram com o país, atingindo a origem da própria formação da civilização, foi atrasar o conhecimento. Informação, cultura e experiência são ingredientes importantes isoladamente. Quando eles se harmonizam em conhecimento são poderosos. Este era o clima de 1964, esta era a geração de 64. O país estava amadurecendo como nação a partir das carteiras escolares, que é a maneira mais pacífica de revolucionar. Ideologicamente ou não, era um momento para o grande salto. Quebrar as oligarquias - o ranço de colonialismo que teima em fazer o país não caminhar - seria uma conseqüência natural apenas pela sucessão de eleições, pela democratização do conhecimento. Os doutores da tristeza represaram isto por 21 anos.
         Estamos pagando muito caro pela maioridade da idade média tupiniquim. E em dólares.

                                                                                                                 Edman Izipetto
                                                                                                                 31/03/2004