sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Carroceiros

A negra de cabelos desgrenhados, devidamente contidos por um lenço vinho com flores coloridas, vai rebocando sua carroça de eixo único, lotada de quinquilharias, papelão e peças garimpadas aqui e acolá, no que pode ser sua casa cor. Um cachorro pequeno, branco encardido, amarrado com fio elétrico - no que a senhora teve o cuidado de deixar o plug balançando na pseudo coleira como um enfeite - caminha ao lado, atento a todo o movimento. No meio fio, ignora a buzina dos automóveis, que na rua estreita espremem-se para fugir ao intruso meio de transporte.
Na calçada invadida de mesinhas, grupos se reúnem à mesa do bar, contando histórias da PanAm e da primeira Coca-Cola que tomaram, no jogo que não decidiu nada para suas vidas, nas fofocas sobre a chefia e o próprio trabalho, que é sempre impecável, e na falta de grana para todas as outras coisas que não seja a cerveja de uma sexta-feira à noite. A vida é um moinho, que processa o malte, o levedo e o lúpulo, fermentando idéias e ideais de uma vida perfeita.
A senhora da carroça, vestida de um surrado vestido amarelo canário que lhe cobre até as coxas, estas cobertas com um jeans repleto de manchas escuras, caminha descalça entre a calçada e a rua frenética de faróis e piscas, não se importando com os sinais de baixo calão dos motociclistas, que são obrigados a diminuir e desviar sua corrida. O cachorro não late, apenas alterna o movimento do rabo como se estivesse de prontidão, apto a defender sua protetora.
Cansada, ela pára em frente a um dos barzinhos. Um grupo de afrouxados engravatados, cujas camisas têm suas mangas arriadas, começa a zombar da mulher, com a coragem etílica própria dos imbecís. Outro grupo do mesmo espaço pede que parem com a troça, no que o restante do bar concorda, em coro, e como uma injeção de glicose, os idiotas vestidos anti-socialmente são obrigados a recolher e engolir, aos goles, o palavreado totalmente covarde e demodé.
Os que haviam defendido a carroceira inicialmente pegam a porção de fritas, recém entregue à mesa, e a oferecem à mulher que não recusa. Come uma a uma, numa elegância sem miséria, sempre dividindo com o cão que, feliz, fica de pé sem latir. Um mulato esquálido e altivo, carregando uma jaqueta cheia de buracos, se aproxima. Retira da vestimenta um botão murcho de rosa vermelha e o entrega à mulher. Ela sorri, um sorriso alvo de quem aceitou o mimo e divide as batatas com o galanteador. Os freqüentadores do bar aplaudem, até os ignorantes que já pediram a conta, talvez tomados de vergonhosa ressaca.
O casal segue, ele toma os estribos da carroça, ela fica ao seu lado, e sob uma Lua crescente que sorri amarela, vão se tornar invisíveis aos olhares e luzes da cidade grande...

Edman Izipetto
30/09/2011

Esta é uma obra de ficção, que sinceramente gostaria que não houvesse qualquer semelhança ou coincidência com pessoas ou a vida real.

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