sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Caixa rápido

A fila de carrinhos serpenteia entre pacotes de frituras, chocolates, plásticos e revistas de fofocas. No alto-falante uma voz chata - entre um locutor esportivo e um vendedor de jeans da Rua Direita - anuncia a promoção "imperdível" do ano, autorizada somente àquela unidade em todo o país, apenas 8 objetos do desejo, "você pára tudo o que estiver fazendo e corra até a entrada para pegar a senha...", e ele repete, a cada minuto, em contagem regressiva, durante eternos 5 minutos, a mesma ladainha consumista, deixando cartões de crédito, débito e cheques pré-datadas em estado de excitação extrema, piscando e dando choques nos bolsos e carteiras dos incautos.
Na Babel da espera, tem gente com um único pacote na mão, alguns com um cestinho pesado, outros com carrinhos pequenos e muitos com as compras divididas entre os familiares. Um grupo de adolescentes carrega latinhas de cerveja, ainda em seus plásticos, destilados e muito refrigerante escuro, desafiando o locutor entoando sambas de cama, mesa e banho, com seus cortes de cabelo bancário e gírias que necessitam de tecla sap para entendimento. As meninas deste grupo carregam muito amendoim e vão despejando os sacos de chips que encontram no caminho, todas segurando em uma das mãos o celular à espera de uma mensagem (ou de um milagre?).
A morena esguia esboça um sorriso, após o idoso atrás dela comentar alguma coisa, e deixa revelar as belas covinhas que até então seu rosto não mostrava. Cinco latas de leite em pó, três pacotes de absorvente, uma lasanha pequena congelada, uma latinha de suco de uva e um vaso de crisântemos foi o que a fez encarar meia hora de fila ao som do locutor que, finalmente, anunciou a LCD de 42" por apenas um valor estrambólico. Alguém muito mal informado sobre preços apareceu no fim da fila com duas caixas da fantasiosa promoção.
Algumas pessoas a frente, o que parece ser a esposa descasca a reputação do que pode ser o marido, porque não queria ter parado ali, estava perdendo os últimos capítulos da novela, que a mãe dele bem que poderia vir visitá-los no 13º mês, que para a mãe dela ele não fazia tudo isso (discos de pizza pronta do próprio supermercado), que a casa não estava em ordem e a sogra ia reparar, que achava que a filha não era mais virgem, que o filho escutava umas músicas estranhas e a vizinha era fofoqueira e falava muito mal do marido...
Em outra ponta, uma criança dentro do carrinho degusta e se lambuza do que deveria ser a sobremesa do jovem casal, ele de terno escuro, camisa azul marinho e gravata vermelha e ela de saia até as canelas, camisa branca com renda e cabelos compridos enrolados em um coque por trás da cabeça. Mais atrás uma família de peso carrega dois potes de sorvete, pacotes de casquinha, coberturas de chocolate e caramelo, chantily e refrigerante diet. O filho negocia com o pai a presença ou não de alguns amigos, no que parece que as notas do garoto não lhe dão argumento. A filha, caçula da família, tem as bochecas vermelhas e um brilho nos olhos de quem não vê a hora de provar a iguaria.
Discretissimo, o malhado e bombado segurança de boate ou lutador de MMA, vigia sua garrafa de vinho tinto suave, pão, ovos e embutidos, e parece não se importar com a atenção que desperta sua parceira, visivelmente oxigenada e bem dotada, apesar da baixa estatura, principalmente por vestir um justissimo short de jeans, digno de dançarina de funk, contrariando a temperatura de 11°, muito interessada nas revistas sobre celebridades. Agora entendo porque alguns idosos abriram mão de sua fila preferencial.
Após 40 minutos chega minha vez. Mal coloco os produtos na esteira e a caixa, acho que com uma pontinha de ironia, avisa que "caiu o sistema". Pergunto se não dá para anotar na caderneta, ela não entende minha piada, já nasceu sob a leitura do código de barras. Explico que antigamente...o tal do sistema não volta e resolvo abandonar a compra, a morena, a loira e os sorvetes para outro dia.

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