
Uma orquídea resgatada do passeio público há um ano, pronta para virar lixo, com uma única folha, resolveu florir, cinco perfumadas flores brancas há cinco semanas intactas. Coloquei-a ao abrigo da chuva e do sol, onde a claridade e o ar não faltam. Após alguns dias, percebi um caramujo, desfilando seus rastros de prata sobre um broto de folha nova, já com algumas mastigadas. Instintivamente, dei-lhe um toque de bola de gude, antes que atingisse as flores. Não o vi mais.
Ele apareceu subindo pela parede e, não sei o porquê, eu o
deixei nesta longa e sofrida caminhada para o alto, e avante. Ele estacionou
num ponto e aí ficou, alheio a todos os fogos, todas as vitórias e derrotas, à
rotação e intempéries, ao universo que para ele deve ser o nosso mundo, e a total
ignorância do fim dos tempos ou não. Parece que observa da janela lateral, de
seu trailer cinza, o passar das eras.

Fico sentado na escada, entre o caramujo e o relógio, todos
parados no tempo. Um ser vivo, muito mais próximo da origem da vida do que eu, que
simplesmente “escolheu” um lugar para ficar, o outro – apenas dentes e inércia
– esperando o impulso para lhe dar um sentido. Um relógio parado é surreal...
Eu na escada da vida, entre estas frestas paradas, à espera
de um sopro de movimento, coloco minha mão sob o queixo, somos três inertes
entre a subida e o retorno, entre colunas que dançam com as sombras num tango
vienense, numa salsa irlandesa, num samba blue sem rimas óbvias ou sucesso no
youtube.
Acerto a trigonometria do relógio, devolvo o molusco à
natureza, intacto, e subo as escadas para um ano diferente, nem mais novo nem tão
experiente, mas com 365 poentes. A surpresa já é bem melhor que a rotina, seja
ela qual for.