sábado, 11 de junho de 2011

À luz de velas

A mesa redonda tem uma toalha com desenhos em relevo, um arranjo de flores onde se destaca uma tulipa vermelha e flores diversas e coloridas. Ao centro um castiçal de prata empunha a vela, esculpida em espiral, esperando para ser acesa. Daquele ponto avista-se, de uma ampla janela, uma fileira de candelabros que seguem para o horizonte, com suas luzes opacas em forma de funil, delimitadas pela neblina - como um desenho em bico de pena - que torna a noite silenciosa e mística.
Chegamos ao lugar reservado, o maitre afasta a cadeira de madeira de lei para que a mulher possa se acomodar. Eu não espero, sento-me tão logo vejo a companheira devidamente instalada. Um isqueiro de metal acende a chama da vela e o cardápio nos é estendido. Após uma pergunta: "vão beber alguma coisa", pedimos uníssonos a carta de vinhos.
Após uma troca de olhares, sugestões de entrada, tabela de calorias, a defesa da matança de animais, e outras questões politicamente corretas demais, decidimos pelo spaghetti alle vongole, sem traumas, sem ferir suscetibilidades e apropriado para o momento (e depois dele). Um carpacio de salmão com endívias como entrada nos dá a folga necessária para que o zeloso, mas apressado maitre, nos deixe em paz com a nossa disputa pelo vinho, tinto pelo clima frio, branco para harmonizar o prato.
A chama dança, cigana, em torno do pavio e projeta as sombras das flores, como videntes lendo as linhas do tecido que cobre a mesa. Outros casais sussurram pelo ambiente, recriando outras danças nas velas que os acompanham: alguns valsam, outros salsareiam, mais ao centro percebe-se um flamenco e no outro extremo é possível distinguir um tango.Em poucos casos a trilha sonora já não toca, queima a parafina que escorre em lágrimas que congelam em estalagmites.
Concordamos em pedir um Mâcon-Vergisson, da Saumaize Michelin, safra 2008, um frescor e acidez típicos dos Chardonnays da Borgonha sem o excesso de madeira, que geralmente acompanha e tira a identidade da maioria desses vinhos. Ela arrisca em aceitar, pois não é fã desta uva, mas na primeira degustação sente todos os sabores e perfumes daquela região francesa. Nossa entrada também é servida, folhas crocantes e tenras com a textura do peixe defumado, azeite e alcaparras e um pouco de pecorino romano, muito pouco, para contrastar.
Nossos pratos chegam fumegantes. A fumaça dos dois se entrelaça na vela, roçando-se, subindo em kundalini até tornar-se uma. Nossos garfos enrolam a pasta, costurando projetos, tricotando idéias numa malha de promessas e vontades de cores diferentes, mas harmônicas, tecendo caminhadas e corrigindo alguns pontos que desataram na manta do relacionamento.
O perfume do azeite extra virgem com o alho afasta os pensamentos ruins; o sabor levemente picante do molusco acende os desejos que são externados lambendo-se, discreta e maliciosamente, a manteiga das conchas, num degustar de prazer e luxúria, como experientes adolescentes na primeira vez...
Nesta mistura de sabores o cenário lá fora desanuvia, um ar mediterrâneo descortina-se e a Lua descobre-se de seu véu em sua crescente caminhada para o oeste. Peras defumadas com queijo brie, e damascos secos cobertos de chocolate amargo, finalizam nosso paladar e gozo.
Nossos olhares se vêem, orbitando ao redor daquela luz trêmula, qual planetas em seus destinos distintos, elípticos, que se alinham quando as mãos se tocam e aninham, alterando as previsões astrológicas e catastróficas, recriando um novo mundo, renovando esse sentimento enamorado de se sentir completado e completando alguém.

Um ótimo domingo a todos
Edman Izipetto
12/06/2011

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