sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Olá Jovem Senhora

A cidade está diferente, melancólica e revivendo seus tempos de debutante das grandes metrópoles. Em pleno verão resgatou sua marca registrada: a garoa fria que não molha, mas encharca de carinho, deixando visíveis os fachos de luz das luminárias, dos faróis, cobrindo de névoa as ruas - nunca vazias - repletas de solidão.
O Mercadão fica mais ocre, seus vitrais contagiam de especiarias e sabores de Babel todo o vale do Tamanduateí, nascedouro paulistano de bandeirantes a caminho das índias latinas e andinas, do alto Tietê. Na colina do Páteo sem colégio, a casa da Marquesa é um observatório das idas e vindas do Expresso Tiradentes, obra que se espelha “na feia fumaça que sobe apagando” os sombreiros dos chorões da beira do rio.
Mas nos sabores tem mais que especiarias: há frutos do mar, tão perto da gente mas cheio de curvas para chegar, tem a leveza do bairro oriental, a alegria das cantinas, o reinado das pizzarias e o cheiros das churrascarias. De todo o planeta um pouco, do curry ao prato criollo, do tantra ao picante mexicano, dá para viajar pelo mundo freqüentando restaurantes, bares e cafés.
No outro vale, do Anhangabaú, esconderam os autos, os fatos e todo qualquer resquício de várzea ou mato, numa grande área de concreto e pedras para cumprir castigo, ajoelhado no milho, no fubá, na pamonha e nas santas ervas dos camelôs, deixando ao canto o grande Theatro de fantasmas sem ópera ou árias sem discórdia, mas a preços populares com direito ao metrô.
Na terra do café o viaduto famoso é do Chá, talvez homenagem a algum árabe ou erva-mate, mas que não passa de uma ponte reta ligando dois centros, o velho e o novo que a cidade é grande e precisa de dois. Não bastassem estes, inventamos o centro expandido, área onde automóvel é bandido dependendo do jogo do bicho. Muitos centros e pouco cérebro, Sampa é a massa cinzenta mais colorida que existe...
Há cores em todos os redutos, içadas do solo pelo vão livre do Masp, guardadas em castelos como a Pinacoteca, espalhadas pelas praças e botecos, artes nômades pelos espaços do Ibirapuera, nas películas que se exibem nas salas de projeção ou nos desfiles de gostos e marcas dos shoppings centers.
Da hora certa do Mosteiro dos cantos gregorianos, a ponte de ferro fundido na terra da rainha, a fé de Santa Efigênia leva até a rua das sacoleiras, da eletricidade sem pólos aos softwares sem dolos, paraíso das quinquilharias, junto à rua de março e das outras datas festivas no formigueiro de gente que movimenta, sem economia, a formalidade da vida.
Há 454 anos tudo começava numa pequena parada, talvez para comprar biscoito de polvilho, comer uma coalhada ou simplesmente uma “aliviada”, mas ficou assim fertilizada a semente. Hoje a cidade cerca-se de recifes de corais, favelas que se multiplicam sobre elas mesmas deixando a capital num atol de soluções sem ondas e escondida pelas sombras de negócios especulativos.
A garoa em pleno janeiro veio para apagar seu inferno astral. Ela quer comemorar seu aniversário sob o manto do cuidado, da carícia, como um cobertor de lã doado. Ela quer velas acesas e um pedaço de bolo para cada paulistano, seja ele italiano, japonês, nordestino, camponês, boliviano, americano, com sotaque de rr ou de ss, mas com olhar de apaixonado pela esquina da São João com Ipiranga onde mexe o coração feito criança. Ela quer o repique dos sinos da Sé e o apito das tecelagens do Brás e da Maria Fumaça que estacionou, para sempre, na estação da Língua Portuguesa.
Te amo assim mesmo querida cidade, te amo por isso mesmo São Paulo.


Edman Izipetto
25/01/08

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