sexta-feira, 25 de dezembro de 1987

Espírito de Natal

            Sinos, talheres, quebra-nozes, embrulhos desfeitos e um estalar constante de beijos compõem a sinfonia das noites natalinas. Seria só isto? Apenas uma data a mais, convenção comercial e um feriado, dia de bebidas, carnes e borbulhar de alegria? Esta felicidade pode vir de todo este cenário, toda esta encenação? Tem mais coisa...
            Famílias, encerados cobrindo uma área, um território, aquela fumacinha convidativa de churrasco, barris de chope e garrafas de refrigerante saciando a sede do ano inteiro. As crianças disputam seus novos brinquedos, fantasias ganham corpo e rodam ou ninam de verdade. Namorados conhecem mais um pouco os gostos do parceiro, renovam suas juras de amor. Casais comandam seus filhos e rejuvenescem, vestem-se de sorrisos, alimentam esperanças que durem pelo menos um ano inteiro. Os idosos, apesar de integrados, ainda preferem antigamente.
            Mais que o trocar de presentes, realmente trocamos algo. Sutil, sentimos um peito menos angustiado, mais livre e disposto ao gosto de viver. Convenção ou não, encarnamos o espírito de natal. Tem suas exceções, mas pelo clímax que sentimos, é uma minoria.
            Ele vem devagarzinho. Lá no início de dezembro, quando projetamos os presentes e nosso “holerite” cresce, começamos a sentir algo diferente. A vida fica mais colorida, as pessoas trocam entre si olhares brilhantes, como o brilho dos enfeites de natal. Acho que todos nós trazemos um pouco de árvore por dentro e resolvemos acompanhar o clima. Piscamos, pois temos altos e baixos também na alegria, mas não deixamos de iluminar.
            Esta luz. Lembra da estrela, aquela que indicou o caminho. Também acredito que o universo todo se manifeste através de um clarão estrelar, não da abóbada celeste, desta que precisa telescópio, mas luz cardíaca, que precisa apenas e tão somente enxergar.
            Nascimento. Já não é semente, forma pequena do grande se esconder, nem mistério, visto que chora; é futuro no hoje, transformação e canto diferente. Manjedoura, animais e presentes reais: precisa ser mais explícito? É lícito encorujar-se se o próprio nascer é um abrir de novos caminhos?
            Uma semana antes aquele corre-corre. Amigos secretos e indiscretos, gorjetas, almoços de confraternização, cestas. Este ritual seria sem graça se você não o sentisse. Não é um simples cumprir de protocolo, você é o protocolo, a gravata e o salto alto, mergulhado que está nesta onda.
            Chega o dia, o pico, a ceia, os laços, as badaladas e o canto do galo. Abraçando o mundo e acreditando mudá-lo. Esquecendo diferenças – a manjedoura – dando as mãos sem medir se a outra está limpa.
            Chomp! Estouram os champagnes e todo esse envolvimento bonito evapora, vai se esvaindo, escapando pelos dedos. Os Reis-Magos desaparecem no horizonte e sua pegadas, cobertas pelo vento, também. As pessoas despertam, sacodem-se, como a enxugar alguma gota de alegria. Novo Ano, velhos problemas. Feliz Natal! Sinos, talheres...

Edman Izipetto
25/12/1987

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