quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Histórias de Dona Dgmar

Minha bisavó, Antônia (não lembro os outros nomes, mas tinha Quadros no meio, é dele mesmo, todo mundo tem o lado negro na família) é a pessoa mais marcante da infância de minha mãe. "Ela é a mãe de minha avó, Rita Duarte, tão submissa, mas que nunca assinou o sobrenome do meu avô, Santucci. Esta é outra história...."
Tinha na minha mãe a neta favorita, a companheira de tarefas. Como a de colher e escolher as mangas espada, tão raras hoje, no número de cem, para o comerciante português (já perceberam que sempre é um português), cuja cobrança era apenas um disfarce para não dizer que era doação. Minha mãe não lembra dos valores, mas guarda em suas lembranças as cores, o perfume e o prazer de estar embaixo de um pé de manga. Dá gosto vê-la devorar uma, com fibra e tudo, hoje em dia.
O quintal destas fantasias era em Salto, SP, próximo ao Rio Jundiaí, onde ele se junta ao Tietê para formar o que dá nome à cidade, Saltos de Itu (em indígena é rio, são cachoeiras), que sempre aparecem no noticiário negativo da TV na formação de espuma. O lugar é lindo, basta a Grande São Paulo parar de blá blá blá e cuidar do esgoto e do sabão biodegradável.
Mas neste quintal tinha um universo. O universo da minha mãe. Galinhas poedeiras e raposas pegas em armadilhas, todas as frutas possíveis, todas as verduras, e principalmente, todas as ervas. Minha bisavó era católica fervorosa, mas benzia, despachava e encaminhava. Era uma pessoa incrível, pela descrição de minha mãe. Quando precisava, ia no terreiro "encaminhar os caminhos". Uma frase que minha mãe disse neste reveillon me inspirou a escrever esta crônica.
Um irmão que morreu por falta de conhecimento e saúde pública, não sei a época e isto é irrelevante (porque continua igual), mas que minha mãe tinha verdadeira paixão, foi vaticinado pela minha bisavó: "Esta criança é muita linda, não vai durar muito no meio de tanta gente feia como vocês". Eu queria a máquina do tempo só para conhecer esta mulher... Ele morreu criança, vítima de pneumonia, por falta de atendimento adequado.
E ela fazia sabão de cinzas, ótimo para combater as sarnas dos animais de estimação. Estamos falando da década de 30, 40. Ela doava os sabões quando era para este fim. Não tinham nada, viviam a vida simples, mas doava sabão de cinza para curar um animal que nem conhecia. É ou não para conhecer uma figura assim...
E meu bisavô, Joaquim Duarte, mais conhecido como Nhô Quim (adorei), era carpinteiro, e odiava que o chamassem de marceneiro. Eu até agora não entendo a diferença, espero que alguém me ajude. Foi quem ensinou as horas para minha mãe. E fazia caixinhas de madeira onde minha bisavó guardava goiabadas, marmeladas e outros doces, sem conservantes, sem geladeira, que duravam tempos, das frutas colhidas e apuradas no tacho de cobre, sobre o fogo à lenha. Este era o segredo, segundo Dona Antônia.
Apaixonante é ver o brilho nos olhos de minha mãe quando conta estas histórias, principalmente sobre meu pai, na visita mensal depois de ir trabalhar na Capital e voltar de trem, sempre com um presentinho, namorando na sala/copa, extrapolando o horário definido pelo chato do meu avô, sem lenço e sem documento, apenas amando minha mãe. Eu tenho pedigree...

Edman
02/01/2014

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